quarta-feira, 26 de agosto de 2015

O Azul é a Cor Mais Forte

A mãe veio de férias e trouxe junto a filha mais nova. Queria mostrar à menina as ruas onde aprendera a falar o português com sotaque baiano quando tinha a mesma idade da adolescente. Mãe e filha pareciam cópia fiel da outra no quesito beleza, guardada as devidas proporções da idade. A filha era uma meninota alta e robusta, de corpo forte como uma guerreira viking. Mas o que mais chamava a atenção sobre ela era o seus longos cabelos lisos, eram de um azul infinito e inocente como a cor de seus olhos.

A mãe fazia questão de mostrar tudo à filha, desde como chupar a manga sem se lambuzar até como dizer danke! em nossa língua pátria. A menina gostou de andar de ônibus e de ouvir batucada no Pelourinho. Achou divertido caminhar nos passeios esburacados da cidade, era como se estivesse fazendo uma aventura radical urbana. Em sua terra natal era tudo muito certinho e organizado e aquela bagunça dava ares de aventura às suas férias escolares, ia ter muito o que contar quando voltasse para casa. A menina enamorou-se pela cidade negra e esta apaixonou-se por ela. Não havia um homem que não parasse para admirar a beleza exótica daquela moça alta, de peito estufado, caminhar desajeitado de menina moça e cabelo cor de turquesa. Alguns mais afoitos arriscavam dizer-lhe galanteios, ao que a menina enrubescia e lhes respondia com um tímido obrigado.

Às vezes a mãe tinha um pouco de ciúmes daquela atenção toda dispensada só à filha pequena. Talvez se ela pintasse os cabelos de verde limão fizesse até concorrência à menina, pois ela não era uma coroa de se jogar fora, aguardava ainda os encantos de sua juventude.

No centro histórico da cidade, um vendedor de fitas do Senhor do Bonfim aproximou-se de assalto, como é de seu costume, e amarrou ao pulso da menina uma fitinha. Depois ficou olhando para ela com um olhar de peixe morto. A mãe interferiu: “Por que está olhando assim para a minha filha?” O vendedor de fita, que tinha a língua afiada, respondeu logo à queima roupa: “É sua filha? A madame caprichou!” E como se não bastasse a impertinência, ainda perguntou com a maior cara-de-pau: “Tia, senhora quer ser a minha sogra?”

Rio Vermelho, 14 de agosto de 2015.


domingo, 9 de agosto de 2015

O Maior Sofredor do Mundo

Deitada de barriga para cima e de mãos cruzadas sobre o peito, parecia uma finada. Ela suspirava entediada e olhava para o teto com a indiferença de quem procura uma teia de aranha ou imperfeição que já não conhecesse. A cada instante consultava o smartphone à mão para certificar-se de que este ainda estava funcionando, caso ele lhe telefonasse a qualquer lampejo de instante. Gysleine estava irremediavelmente apaixonada.

Consumida por aquela ardente e infinita espera, ela se perguntava se era errado. Ele era um primo, será que aquela relação carnal a mandaria para o inferno? O que seria pior naquele caso meio incestuoso, o fato de ele ser um parente ou de ele ser um homem já comprometido? Seja como fosse, aquele duplo pecado causava-lhe arrepios e um prazer indescritível por estar fazendo a coisa proibida, logo ela, uma moça tão certinha e incapaz de sair da linha por mais inocente que fosse a transgressão.

Gysleine se perguntava como fora parar nos braços do primo e, pior de tudo, como lhe cedera seus favores tão facilmente. Ela que sempre se orgulhava de ser uma mulher que não dava fácil para ninguém, mas no caso do primo, ele nem precisou pedir uma segunda vez. Isto talvez porque, ela presumia, ele fosse família e sabe como são estas coisas, a família sempre vem antes de tudo, não teve como negar o pedido de um parente.

Outra coisa que também estava incomodando Gysleine era o fato do primo ser um homem já comprometido, quase noivo de anel no dedo. Ela sempre soube disto, mas a carne não resistiu ao apelo do parente. Ela imaginou que se fosse apenas aquela vez..., mas houve uma segunda e uma terceira e a coisa perdeu o controle, quando se deu conta, já tinha virado amante do primo, porque era isto que ela era, concluiu, se não era a titular, só podia ser a amante. Estava tendo um tórrido caso com um primo que era comprometido com outra. Certamente que agiam às escondidas, o que só lhe causava um misto de prazer e de sentimento de culpa. Caso a família descobrisse, por certo reprovaria aquela sem-vergonhice, ia ser o fim do mundo. No entanto, só três indivíduos estavam a par daquele triangulo: ela, ele e a traída.

E como a traída tomara conhecimento de que o quase noivo estava dividindo a sua atenção com mais alguém? Bem, ele mesmo achou que já era a hora de informá-la, quando percebeu que estava trocando o nome de uma pelo da outra justamente no auge do calor sobre os lençóis. Bem antes disso, no entanto, ela observara que ele andava esquisito, não era mais vigoroso e nem chegava para ela com aquele apetite que o caracterizava. A prima recatada ocultava um vulcão reprimido pelo zelo à sua reputação, recobrava com o primo o tempo perdido. Portanto, o que este proporcionava em excesso a uma, faltava em quantidade e qualidade à outra.

Ele gostava das duas, justificou-se a cada uma. Não podia mais viver sem elas. Confessou às duas que estava sofrendo muito por não se decidir entre uma e outra, mas que elas tivessem paciência com aquela situação. Até quando conseguiria levá-las na conversa, era a questão.

E as duas moças, que nunca se viram na vida, apaixonadas pelo mesmo homem sofriam, um sofrimento contido em silêncio, um choramingo baixinho pelos cantos, um aperto no coração que não tinha fim. Sofriam por dividir seu homem sem desejar fazê-lo e eram inocentemente solidárias ao sofrimento dele por querer as duas, mas ter que se decidir por entre uma e outra. Como sofria aquele rapaz e ele remediava aquela agonia deixando os braços de uma e indo direto para os da outra.

Cansadas daquela sociedade na qual ele era o mais beneficiado, elas resolveram vingar-se. Parece até que tinham planejado juntas, embora tudo não passou de mera coincidência, coisa do instinto feminino de sobrevivência. Se ele podia ter as duas a seu bel-prazer, o que as impedia de fazer o mesmo? E como ele não lhes ocultara nada, elas foram, também, igualmente honestas. Tenho outro, cada uma anunciou ao seu modo, ainda que aquilo não passasse de mero ardil para forçá-lo a decidir-se. Elas só não esperavam pelo chilique que ele deu, ficou nervosinho, fez biquinho, bateu na parede, ameaçou a acabar com tudo, enfim, estava sendo traído descaradamente e sem o menor respeito aos seus sentimentos, as duas vigaristas. Só faltou dizer que ia tomar chumbinho!


Rio Vermelho, 07 de agosto de 2015