Deitada de barriga para cima e de
mãos cruzadas sobre o peito, parecia uma finada. Ela suspirava entediada e
olhava para o teto com a indiferença de quem procura uma teia de aranha ou imperfeição
que já não conhecesse. A cada instante consultava o smartphone à mão para certificar-se
de que este ainda estava funcionando, caso ele lhe telefonasse a qualquer lampejo
de instante. Gysleine estava irremediavelmente apaixonada.
Consumida por aquela ardente e
infinita espera, ela se perguntava se era errado. Ele era um primo, será que
aquela relação carnal a mandaria para o inferno? O que seria pior naquele caso
meio incestuoso, o fato de ele ser um parente ou de ele ser um homem já
comprometido? Seja como fosse, aquele duplo pecado causava-lhe arrepios e um prazer
indescritível por estar fazendo a coisa proibida, logo ela, uma moça tão
certinha e incapaz de sair da linha por mais inocente que fosse a transgressão.
Gysleine se perguntava como fora
parar nos braços do primo e, pior de tudo, como lhe cedera seus favores tão
facilmente. Ela que sempre se orgulhava de ser uma mulher que não dava fácil
para ninguém, mas no caso do primo, ele nem precisou pedir uma segunda vez. Isto
talvez porque, ela presumia, ele fosse família e sabe como são estas coisas, a
família sempre vem antes de tudo, não teve como negar o pedido de um parente.
Outra coisa que também estava incomodando
Gysleine era o fato do primo ser um homem já comprometido, quase noivo de anel
no dedo. Ela sempre soube disto, mas a carne não resistiu ao apelo do parente.
Ela imaginou que se fosse apenas aquela vez..., mas houve uma segunda e uma
terceira e a coisa perdeu o controle, quando se deu conta, já tinha virado
amante do primo, porque era isto que ela era, concluiu, se não era a titular,
só podia ser a amante. Estava tendo um tórrido caso com um primo que era
comprometido com outra. Certamente que agiam às escondidas, o que só lhe causava
um misto de prazer e de sentimento de culpa. Caso a família descobrisse, por
certo reprovaria aquela sem-vergonhice, ia ser o fim do mundo. No entanto, só
três indivíduos estavam a par daquele triangulo: ela, ele e a traída.
E como a traída tomara
conhecimento de que o quase noivo estava dividindo a sua atenção com mais
alguém? Bem, ele mesmo achou que já era a hora de informá-la, quando percebeu
que estava trocando o nome de uma pelo da outra justamente no auge do calor sobre
os lençóis. Bem antes disso, no entanto, ela observara que ele andava esquisito,
não era mais vigoroso e nem chegava para ela com aquele apetite que o caracterizava.
A prima recatada ocultava um vulcão reprimido pelo zelo à sua reputação, recobrava
com o primo o tempo perdido. Portanto, o que este proporcionava em excesso a
uma, faltava em quantidade e qualidade à outra.
Ele gostava das duas,
justificou-se a cada uma. Não podia mais viver sem elas. Confessou às duas que estava
sofrendo muito por não se decidir entre uma e outra, mas que elas tivessem paciência
com aquela situação. Até quando conseguiria levá-las na conversa, era a questão.
E as duas moças, que nunca se viram
na vida, apaixonadas pelo mesmo homem sofriam, um sofrimento contido em silêncio,
um choramingo baixinho pelos cantos, um aperto no coração que não tinha fim. Sofriam
por dividir seu homem sem desejar fazê-lo e eram inocentemente solidárias ao
sofrimento dele por querer as duas, mas ter que se decidir por entre uma e outra.
Como sofria aquele rapaz e ele remediava aquela agonia deixando os braços de
uma e indo direto para os da outra.
Cansadas daquela sociedade na
qual ele era o mais beneficiado, elas resolveram vingar-se. Parece até que
tinham planejado juntas, embora tudo não passou de mera coincidência, coisa do
instinto feminino de sobrevivência. Se ele podia ter as duas a seu bel-prazer,
o que as impedia de fazer o mesmo? E como ele não lhes ocultara nada, elas foram,
também, igualmente honestas. Tenho outro, cada uma anunciou ao seu modo, ainda
que aquilo não passasse de mero ardil para forçá-lo a decidir-se. Elas só não
esperavam pelo chilique que ele deu, ficou nervosinho, fez biquinho, bateu na
parede, ameaçou a acabar com tudo, enfim, estava sendo traído descaradamente e sem
o menor respeito aos seus sentimentos, as duas vigaristas. Só faltou dizer que
ia tomar chumbinho!
Rio Vermelho, 07 de
agosto de 2015
3 comentários:
Muito bom Cristiano. Em que situação você colocou o kara !...
Cristiano, como sempre, o final dos contos, após grande emoção do caso, nos traz a terra firme e sem comoção.
Nota dez pela criatividade.
Um abraço, Paulo.
Vc é uma figura, Cristiano!Inventou logo um final interessante para o caso dramático. Parabéns pelo texto (confesso que pensei mil vezes se iria continuar a leitura)! No mais, do fundo do meu coração, se isso for baseado em algum "caso real", espero que as coisas se resolvam da melhor forma e que os três tenham finais felizes. Forte abraço
Flavia Côrtes
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