Por trás do largo sorriso desenhado
na boca desdentada, seu Aurelino anuncia o seu produto nos dias mais quentes. Ele,
que tem a importante função social de abrandar os rigores do calor, vende picolés
para quem dispuser no bolso de alguns trocados. É claro que há aqueles incautos
que saem à rua desprovidos do vil-metal, mas nem por isso deixam de ficar sem levar
a guloseima, compram-na fiado. Apesar dos setenta e tantos anos, seu Aurelino registra
aquelas dívidas na memória que continua afiada como a de um garoto de dezoito
anos.
Seu Aurelino orgulha-se de sua
profissão e de vender o melhor picolé da cidade que é produzido na vizinha Irecê.
O mais gostoso é o de coco, mas têm também de manga, goiaba, umbu, limão e seriguela.
Quem prefere sabores mais sofisticados como chocolate, creme holandês ou amendoim,
não morre de calor porque tem sempre alguns no fundo do carrinho. Seus picolés são cremosos e refrescantes, de
dar água na boca, perfeitos para abrandar os dias abafados da pequena Lençóis,
apesar de que estes são igualmente muito consumidos tanto no verão como no inverno.
Seu Aurelino, que está sempre de bom humor, gosta de empurrar o seu carinho de picolé
pelas estreitas e tortuosas ruas da cidade, por seus bairros mais longínquos e
de oferecê-los à freguesia que, quando não está com pressa, aproveita para ter com
ele um instante de prosa enquanto chupa o picolé. Uma metade do tempo do
picoleteiro é gasto com as vendas do gostoso gelado e a outra com colóquios animados.
Alguns lhe trazem notícias de longe, outros reclamam da política, uns se queixam
da vida, outros reclamam de doenças, alguns preferem falar da vida alheia. Seu
Aurelino mais escuta que fala e da boca banguela tem-se a impressão de que esteja
sempre sorrindo, embora às vezes o assunto fosse sério.
O vendedor de picolé é o filho
caçula que ainda vive com os pais e que já beiram os cem anos de idade. O
menino nunca casou ou arrumou companhia, apesar de ter tanta moça boa na
cidade. Isto faz com que os pais se preocupem com Aurelino, pois quando
morrerem, quem é que vai tomar conta dele?
Seu Aurelino conta à moça branquela
de São Paulo, que chupa um picolé enquanto aguarda pelo ônibus sentada na
escadaria da rodoviária, que recebeu uma proposta para ir trabalhar em Salvador.
Isso foi na semana passada. Ele queria muito aceitar aquele emprego, nunca
esteve numa cidade tão grande, mas papai e mamãe não deixaram que ele fosse porque
Salvador está uma cidade muito violenta, lamenta.
Rio Vermelho, 4 de
setembro de 2015
2 comentários:
Uma boa ideia e o assuto é interessante. Melhor ainda o modo como você conta a história. A única coisa que me deixou curiosos e que eu gostaria de ver, é o sorriso do picoleteiro banguela... Valeu !
Muito bom!
Karina Seixas
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