Letícia se sentia amargamente só nos últimos dias.
Nenhuma alma para conversar, trocar uma ideia. E ela, que era conversadora, se
sentia no pior dos mundos. O fato é que lhe roubaram o smartphone, e isto foi
pior do que se lhe tivessem levado a vida. Se o miserável do assaltante tivesse
lhe metido uma bala no coração, teria lhe poupado de tanto sofrimento. Cheia de
dívidas, não tinha como comprar outro aparelho tão cedo, nem um daqueles antiquados
que só servem para fazer ligações telefônicas.
Milagres não existem, ou pelo menos daqueles em que cego
começa a enxergar e aleijado se levanta da cadeira de rodas. Letícia acreditava
em Deus, mas só teve certeza de que ele ouvira as suas preces depois que a
vizinha bateu à sua porta. Tinha um telefonema urgente para ela. O investigador
Queiroz, aquele mesmo que lhe comia com os olhos enquanto ela prestava a queixa
do assalto, pedia que ela comparecesse à sétima naquela tarde. Ele não quis
dizer o motivo por telefone, mas uma centelha de esperança acendeu no coração
da moça. O mais que ela queria no mundo era ter de volta o seu smartphone já
que não podia comprar um novo.
Letícia se
aprontou para ir à delegacia. Por precaução, pôs um vestido que tinha um decote
capaz de lhe mostrar até o umbigo. Não que ela tivesse de intenções com o
investigador, muito pelo contrário, ela detestava homens como ele que não abotoavam
a camisa direito e deixavam o peito peludo à mostra, aquilo lhe parecia um sinal
de desleixo e vulgaridade. Ela também não gostou dos olhares indiscretos do
investigador e do seu sorriso sínico e maldoso. Mas se ela colocara um vestido
tão chamativo, era porque ela estava fazendo um esforço para ser simpática com
o homem que poderia trazer o seu smartphone de volta.
— O senhor queria falar comigo? – perguntou Letícia aproximando-se
do balcão da delegacia.
— Venha aqui até à minha sala. – ele ordenou com um
sorriso enigmático no canto da boca. Seus olhos colaram nos peitos fartos da
moça que pareciam querer saltar fora do decote generoso.
— E porque não podemos conversar aqui mesmo no balcão?
– ela perguntou desconfiada, percebendo que acertara na escolha do vestido.
— É uma conversa particular sobre o seu caso. Venha
logo que estou muito ocupado.
Letícia o seguiu pelo estreito labirinto de corredores
até ele abrir uma porta ao lado de um bebedouro. Ela sentiu vontade de beber
água, mas preferiu matar a sua sede depois quando estivesse de posse de seu
aparelho, talvez até comemorasse com uma cerveja. Era uma sala apertada e mal
iluminada onde só cabia uma mesa com computador e duas cadeiras além daquela
onde sentava o investigador. O homem se sentou e lhe indicou com a mão uma das
cadeiras. Ele ficou em silêncio observando aquela mulher à sua frente que não
era nem bonita e nem feia, mas que tinha uma atitude de confiança. Seu corpo
era formoso e havia em seu olhar uma expressão desafiadora que o instigava. O jeito
safado de ele a escrutinar a incomodava, apesar de ela já estar acostumada
àqueles olhares maliciosos masculinos, não se importava desde que o homem lhe
interessasse. No entanto, ela não nutria nenhuma simpatia por aquele ali, ele
era um coroa com uma barba de uma semana por fazer.
— Não vai sentar? – ele indicou mais uma vez a cadeira
com uma expressão séria.
Letícia não teve alternativa a não ser puxar a cadeira
e sentar-se.
— E então? – ela provocou o policial que não dizia
nada e só ficava olhando para ela daquele jeito de peixe morto.
— Não encontramos o seu celular, quem o roubou deve
ter passado adiante no mesmo dia. – ele disse finalmente.
— E o senhor me chamou até aqui só pra me dizer isto?
Para falar a verdade, eu não tinha nenhuma esperança que a policia se desse ao
trabalho. Com tantos crimes horríveis acontecendo por aí, quem é que vai dar
importância a um celular, não é mesmo?
— Mas nem tudo está perdido. – ele disse abrindo a gaveta
de sua mesa. – Eu tenho este aqui que encontramos com um meliante e ninguém
nunca prestou queixa.
Ele mostrou o aparelho novinho em folha. Era um desses
que custavam os olhos da cara, coisa de grã-fino, mesmo. Os olhos de Letícia brilharam,
mas logo ela caiu na real.
— Não tenho grana nenhuma. – ela avisou.
— E quem falou em dinheiro? – o inspetor pôs o
aparelho sobre a mesa para que Letícia o cobiçasse.
Letícia olhou para o policial desconfiada. Ele esbouçara
aquele sorriso maliciosos que já dizia tudo.
— Vai ser um presente. – o policial disse.
— É ruim, hein? Ninguém dá presente assim sem querer
algo em troca, ainda mais que nem te conheço.
— A gente sai, mais tarde, tomamos umas cervejas...
— Viu você, tu tá mal intencionado. Tá enganado, não
vou pra cama com estranhos em troca de um smartphone.
— Então, a gente toma essa cerveja pra se conhecer
melhor, aí não vou ser mais um estranho. – ele deu uma piscadela para ela.
— Não vem com essa...
— Bora, só um pouquinho... Você vai gostar muito e
ninguém vai ficar sabendo, vai ser segredo nosso. Faz, assim, vai pra casa e
pensa no assunto. Às 19 horas eu te espero na Dinha, se você aparecer eu vou
ficar muito feliz e você não se arrependerá.
Letícia voltou para casa indignada. Ficou o resto do
dia pensando naquela oferta descarada do investigador. Quis contar para as
amigas, passar um zap para o grupo. Mas não tinha como. Ficou inquieta e
deprimida. Precisava conversar com alguém, tirar aquele peso do peito. Era uma
crise de abstinência de smartphone que lhe deixava louca. E aquele aparelho parecia
novo em folha... Só um pouquinho, o canalha disse. Bem, ela pensou sem tirar o
aparelho da mente, um pouquinho não vai tirar o meu pedaço.
Rio Vermelho, 24 de maio de 2016.