O sol ardia inclemente numa manhã qualquer da semana.
Ao longo da avenida que margeia o litoral, os automóveis com seus possantes
motores seguiam como em procissão, um após o outro em marcha lenta quase parando.
Do lado de fora o calor era de tirar o folego, mas dentro dos carros era frio e
acolhedor. Ouvia-se musica ali dentro ou se conversava ao celular, qualquer coisa
valia para passar o tempo.
Fazendo o caminho oposto no passeio que serpenteava ao
lado do asfalto, ninguém reparou na figura frágil do octogenário que caminhava
se apoiando num andador tão tosco quanto ele próprio. Ele vinha a passos de
tartaruga e parava de vez em quando para retomar o folego. Ele estava tão absorto em sua jornada, talvez
muito longa por causa de seus curtos e lentos passos, que mal tomou conhecimento
do congestionamento de carros ao seu lado.
O velho seguia o seu caminho solitário enquanto de pé
sobre as pedras na praia, pescadores da hora jogavam o anzol na maré agitada de
abril na esperança de levar uma guaricema ou sardinhas para o almoço. Mais
adiante no mesmo passeio por onde ia o velho, uma equipe de quatro operários
vestidos de chamativos macacões laranjas lavavam o piso com água e esfregavam
com escovões. Entre o velho e os homens de laranja ainda havia muitos metros a
serem conquistados pelo ancião, fora estes personagens, o passeio era um
deserto de pessoas.
Para onde ia o velho àquela hora, não se sabia. Apenas
podia-se especular que ele ia ou voltava de algum lugar. Seja qual fosse o seu
destino, ele parecia determinado a chegar lá debaixo daquele sol escaldante,
talvez porque não houvesse escolha, ele tinha de ir andando com a ajuda de um
velho andador.
Quando ele finalmente estava a poucos metros da turma
de operários que fazia a limpeza do passeio, eles pareceram não tomar ciência
de sua presença, era como se o velho fosse um ser invisível, e talvez ele fosse
mesmo para algumas pessoas. No entanto, o ancião prosseguiu em sua tosca
caminhada e quando os operários perceberam que ele já estava bem próximo, interromperam
o serviço. Moveram para os lados o seu equipamento de trabalho para deixar o caminho
livre para que o velho passasse e aguardaram de forma solene e com paciência
aquele homem que já fora tão jovem e forte quanto eles passar com seus passos
incertos e vagarosos que lhes pareceu uma eternidade. O velho lhes lançou um
olhar de gratidão e depois de ter finalmente passado, os homens retornaram ao
serviço do ponto onde havia terminado.
Rio Vermelho, 2 de maio de 2016.
Um comentário:
Cristiano, a criatividade é, para mim, uma das mais nobres característica de um ser humano.
Você possui e eu admiro.
Um grande abraço, Paulo.
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