segunda-feira, 2 de maio de 2016

Que Passem os Velhos

O sol ardia inclemente numa manhã qualquer da semana. Ao longo da avenida que margeia o litoral, os automóveis com seus possantes motores seguiam como em procissão, um após o outro em marcha lenta quase parando. Do lado de fora o calor era de tirar o folego, mas dentro dos carros era frio e acolhedor. Ouvia-se musica ali dentro ou se conversava ao celular, qualquer coisa valia para passar o tempo.

Fazendo o caminho oposto no passeio que serpenteava ao lado do asfalto, ninguém reparou na figura frágil do octogenário que caminhava se apoiando num andador tão tosco quanto ele próprio. Ele vinha a passos de tartaruga e parava de vez em quando para retomar o folego.  Ele estava tão absorto em sua jornada, talvez muito longa por causa de seus curtos e lentos passos, que mal tomou conhecimento do congestionamento de carros ao seu lado.

O velho seguia o seu caminho solitário enquanto de pé sobre as pedras na praia, pescadores da hora jogavam o anzol na maré agitada de abril na esperança de levar uma guaricema ou sardinhas para o almoço. Mais adiante no mesmo passeio por onde ia o velho, uma equipe de quatro operários vestidos de chamativos macacões laranjas lavavam o piso com água e esfregavam com escovões. Entre o velho e os homens de laranja ainda havia muitos metros a serem conquistados pelo ancião, fora estes personagens, o passeio era um deserto de pessoas.

Para onde ia o velho àquela hora, não se sabia. Apenas podia-se especular que ele ia ou voltava de algum lugar. Seja qual fosse o seu destino, ele parecia determinado a chegar lá debaixo daquele sol escaldante, talvez porque não houvesse escolha, ele tinha de ir andando com a ajuda de um velho andador.

Quando ele finalmente estava a poucos metros da turma de operários que fazia a limpeza do passeio, eles pareceram não tomar ciência de sua presença, era como se o velho fosse um ser invisível, e talvez ele fosse mesmo para algumas pessoas. No entanto, o ancião prosseguiu em sua tosca caminhada e quando os operários perceberam que ele já estava bem próximo, interromperam o serviço. Moveram para os lados o seu equipamento de trabalho para deixar o caminho livre para que o velho passasse e aguardaram de forma solene e com paciência aquele homem que já fora tão jovem e forte quanto eles passar com seus passos incertos e vagarosos que lhes pareceu uma eternidade. O velho lhes lançou um olhar de gratidão e depois de ter finalmente passado, os homens retornaram ao serviço do ponto onde havia terminado.

Rio Vermelho, 2 de maio de 2016.

Um comentário:

Anônimo disse...

Cristiano, a criatividade é, para mim, uma das mais nobres característica de um ser humano.
Você possui e eu admiro.
Um grande abraço, Paulo.