A duas semanas do carnaval,
Roberval tomou uma decisão difícil. Resolveu passar o feriado no mato. Em razão
de seu temperamento, esta lhe pareceu a decisão mais sensata a tomar, agora que
se casara com Dolores e ela estava com uma barriga enorme de sete meses. Depois
que soube que ia ser pai, dois meses depois do enlace nupcial, Roberval
resolveu tomar tenência na vida. De agora em diante, ia demonstrar dedicação ao
trabalho, para não ser posto na rua, e manter-se longe das brigas de rua.
— Preto, você devia ficar e pular
o carnaval, e eu vou para a roça ficar com mamãe. Se eu for brincar com a
barriga deste tamanho, Júnior corre o risco de nascer antes da hora, no meio da
avenida. Ai você vai ter um filho que vai ser um tremendo folião! Olhe, faça
assim, considere este o seu carnaval de despedida, antes do menino nascer.
Apesar do jeito carinhoso da
mulher o chamar, a pele de Roberval era branca como o leite. Por mais que ele
tentasse pegar um bronzeado na praia, o máximo que ele conseguia era um
vermelhidão disforme que se espalhava pelos braços, ombros, costas e peito, e que
se desfazia um dia depois, transformando-o novamente no branquelo de sempre.
— Mãe, você sabe que eu só vou
pra estas festas para brigar. – e querendo impressionar a mulher, acrescentou.
– Eu prometi a mim mesmo, agora que vou ser pai, ficar longe das brigas.
Quem olhasse para Roberval,
dificilmente acreditaria que ele era o arruaceiro que proclamava ser. Ele um
tipo baixo e gorducho que mal cabia nas camisas que usava. Os cabelos bem
escuros eram mantidos curtos à moda militar, o rosto quadrado, porém, tinha uma
expressão afável, por traz de um par de óculos de armação quadrada e pesada.
Ele mais parecia um menino amarelo que um valentão.
— Menino, você não consegue
conter este seu temperamento e divertir como uma pessoa normal? – perguntou
Dolores que considerava o marido um doce de pessoa, um homem que jamais tinha
levantado a voz para ela ou a tivesse ameaçado com a mão. Ela não compreendia
de onde vinha aquele gênio dele de brigar em gangue por causa de bobagem.
— Você sabe como eu sou, eu só
sei me divertir desse jeito, tenho o pavio curto e pronto.
No final, Dolores até ficou satisfeita
com a decisão do marido. No fundo, era isso mesmo que ela desejava. Tê-lo ao
seu lado durante o feriado tranquilizava o seu coração. Vai que o menino
quisesse nascer no meio da noite, quem a levaria de carro até o posto de saúde?
Roberval passou a semana calado
e pensativo. Saía cedo para o trabalho, como de costume, e voltava diretamente
para casa. Cumpria religiosamente o seu papel de bom esposo, resignado. Doía-lhe
o coração saber que ia ficar de fora das festas de agora em diante. O verão era
o melhor período de festas do ano, e havia pelo menos uma ou duas acontecendo
em algum lugar da cidade até antes do carnaval. Havia os ensaios dos blocos, Senhor
do Bonfim, a festa de Itapuã e de Iemanjá e os pré-carnavais. Roberval era um jovem
rapaz e a decisão de se casar com Dolores foi repentina. Os dois já estavam
juntos há dois anos e as coisas entre eles iam tão bem que numa manhã, depois
que fizeram amor, ele disse as palavras para ela: que acha de a gente casar no
final do ano? Bem, não foi como um pedido de casamento, mas pareceu um.
Entretanto, a pergunta encheu de felicidade Dolores, que respondeu sem pestanejar
com um sonoro sim!
Agora, com uma criança a
caminho e Dolores tendo de deixar de trabalhar alguns anos para poder se
dedicar ao filho deles, Roberval já pensava em arranjar um segundo emprego durante
a noite, só até Dolores poder voltar a trabalhar novamente. Depois que a
criança nascesse, ela ainda tinha direito a uma licença remunerada de quatro
meses, e quando este tempo chegasse ao fim, seu primo lhe prometera um emprego
de meio expediente à noite em sua empresa de segurança. O seu plano era este e tinha
tudo para dar certo.
Naquela semana que antecedia ao
carnaval, Roberval pensava nas palavras de Dolores quanto a ser esta a sua
última chance de poder pular como ele gostava, antes da criança nascer. De
fato, ela tinha razão, depois que ele se tornasse pai, ele não podia mais se
comportar como um moleque, brigando toda vez que fosse a uma festa. Aquele
poderia ser realmente o seu último carnaval de verdade. Mas ele já lhe dera a
sua palavra que iria com ela para a roça. Ele não era nem fã de carnaval. Não
era um folião na expressão da palavra, seu prazer de ir para a rua era se
juntar com os amigos e se meterem numa boa briga.
Foi próximo ao final do
expediente que Olegário, um amigo e companheiro de briga, telefonou para
Roberval. A turma ia se encontrar no pré-carnaval na Barra e contavam com a sua
ilustre presença. Este era o tipo de incentivo que Roberval esperava. Ele, então,
ponderou todos os seus pensamentos daquela semana e chegou à conclusão de que
ir ao pré-carnaval, quando muito, poderia ser um bom prêmio de consolação. Ao
se decidir ir, seu ânimo encheu-se de entusiasmo, iria se divertir como no
carnaval e ainda poderia manter a sua palavra com Dolores.
Não era ainda nove da noite
quando Roberval estacionou seu carro numa viela mal iluminada, não muito longe
do Farol da Barra. Ele, como era de se imaginar numa noite de festa como
aquela, teve dificuldade em encontrar uma vaga para seu carro numa rua próxima,
já todas tomadas por carros e guardadores que não hesitavam em cobrar preços
abusivos pelas vagas. Ele, então, se lembrou daquela rua com calçamento
esburacado e de seu único poste iluminado. Havia uma vaga perfeita entre duas
entradas de garagem, onde cabia perfeitamente um automóvel de pequenas
proporções como o seu. Mal ele se preparava para descer do carro, quando se
aproximou um rapaz alto e forte se dizendo guardador e querendo receber
adiantado. Aquela inoportuna intromissão deixou Roberval irritado. Ele não
estava disposto a pagar por uma vaga num local que ele próprio descobrira e
onde ninguém mais teve a ideia de ir procurar. Ele achou aquilo um abuso,
aquela esquecida viela estava fora dos pontos tradicionais de estacionamento. Não,
não ia pagar coisa alguma, decidiu enfrentar o guardador. Um diálogo tenso de
palavras grosseiras foi travado pelos dois homens no meio da rua deserta. Isto
foi o bastante para aflorar o gênio violento de Roberval, mas sem o apoio e
incentivo do espirito de grupo que a cumplicidade de sua turma de brigões
proporcionava, sozinho, ele não era tão corajoso para enfrentar com os punhos outro
homem que era o dobro de seu tamanho. Portanto, Roberval limitou-se à agressão
verbal. Insultou o guardador e seguiu o seu caminho ao encontro dos amigos.
Enfurecido com a afronta, o guardador só precisou dar três passos quando
Roberval lhe deu as costas, e agilmente lhe aplicou uma rasteira, pegando-o desprevenido.
Roberval caiu de mal jeito, batendo a cabeça no meio-fio. Teve morte instantânea
ao fraturar a cervical. Talvez algum um dia ele tivesse desejado morrer
brigando, mas o seu fim terminou sendo inglório, ao rés da sarjeta. Foi-se um
valentão.
Rio Vermelho, 15 de
fevereiro de 2018.
Um comentário:
Como você pode fazer uma maldade dessa com o Roberval.
O conto ia tão bem e você não teve pena da pobre viúva e
principalmente do filho que vai nascer sem pai.
Não tem solução, você gosta do sofrimento em praticamente
todos os seus contos.
Valeu, parabéns, um grande abraço.
Paulo Tude.
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