Bartolo Sarneli (pronuncia-se bártolo) trabalhou na
companhia de navegação marítima do pai, em Santos. Em suas frequentes viagens a
Salvador, para visitar a família e amigos, como era de se supor, ele vinha de
navio. Bartolo tinha então apenas dezoito anos; considerado um menor de idade,
naquela época. Entretanto, ele carregava sempre no bolso um documento que
mostrava com satisfação, e um pingo de atrevimento, próprio dos mais jovens,
quando lhe barravam o caminho por causa de sua idade: era uma carta de
emancipação, esta lhe conferia os mesmos direitos que um cidadão adulto. Não sei
se hoje em dia ainda se usa isso, mas o fato é que Bartolo é a única pessoa que
conheço que um dia foi emancipado.
Mas como eu dizia, ele viajava bastante de navio e,
como era o filho do homem, recebia tratamento de primeira classe, tendo,
inclusive, o privilégio de sentar-se à mesa do comandante durante as refeições
e pedir ao chef da cozinha o prato que ele bem quisesse. Olha, naqueles
transatlânticos se podia comer os pratos mais requintados e as bebidas mais
finas, na primeira classe. Repito, Bartolo podia pedir o que quisesse, sem
precisar pagar um único centavo por isto!
Certa vez, num luxuoso transatlântico a caminho de
Salvador, o chef lhe perguntou à mesa o que ele gostaria de jantar naquela
noite, e Bartolo lhe respondeu à queima roupa: Um espaguete ao alho e óleo!
Eu contei a vocês que Bartolo é um legítimo genovês,
assim como o foi Cristóvão Colombo? Que ele sabe fazer qualquer tipo de massa e
conhece segredos culinários italianos que não existem em nenhum livro? E como
todo italiano que se preza, ele é um turrão? E que os seus cabelos, hoje em
dia, são brancos como algodão, e que se pusessem uma longa barba nele e uma
túnica vermelha e ele saísse por aí voando num trenó puxado por nove renas,
seria facilmente confundido com o Papai Noel? E, para quem não sabia, tenho o
prazer de informar que seu avô, Pasquale De Chirico, foi um proeminente
escultor, responsável por um amplo conjunto de monumentos escultóricos em
Salvador, sendo o monumento ao poeta Castro Alves, na Praça Castro Alves, e o
Cristo, do Morro do Cristo, na Barra, apenas algumas de suas criações? Mas onde
eu contava que ao ouvir o simplório pedido de Bartolo, o chefe francês – o quê?
Não tinha dito que ele era francês? – fez uma careta de desprezo e disse assim
para o emancipado: Mas seu Bartolo, espaguete ao alho e óleo é comida de pobre.
Lembram que eu falei que Bartolo (pronuncia-se bártolo) e era um turrão? Pois
é, não houve argumento, e o chef teve de ir fazer o espaguete ao alho e óleo do
rapaz.
Quando o garçom trouxe finalmente o seu trivial espaguete
ao alho e óleo, o seu característico aroma de alho torrado inundou o ambiente
do restaurante de primeira classe do transatlântico, aguçando a curiosidade e
as papilas gustativas dos outros passageiros que serviam-se ali de refinados
pratos da culinária internacional. Quem conhece o poder do aroma do alho fritando
no azeite, sabe muito bem do que estou falando. O que você tem aí, Sarneli?,
perguntou um dos comensais que não se conteve de curiosidade. Outros quiseram
saber também, mas não vou citar todos eles. Pois então, para finalizar esta
história, no jantar da noite seguinte, o espaguete ao alho e óleo foi o prato
mais pedido!
Feliz Natal a todos os meus leitores! (o quê? Eu não contei que sabia ler e escrever?)
Rio Vermelho, 25 de dezembro de 2018
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