Eu nunca tinha visto uma pescadora antes, muito menos
uma que não recorresse à ajuda de uma vara, para fisgar incautos peixes nas
águas mornas do mar do Rio Vermelho. Pescadores é o que não falta por aqui, têm
aqueles de profissão, cuja pele curtida no sol e no sal lhe conferem a aparência
de matusalém. E tem aqueles de ocasião, como o motorista de taxi que passa na praia
de Santana e, ao ver a aglomeração de pescadores eufóricos, espalhados nas
pedras da praia, tentando dar conta dos cardumes de xaréu, bonito, guaricema, dourado,
sororoca, só para citar alguns, encosta o carro, tira da mala a vara e dá por
encerrado o expediente do dia. Parece licença poética, mas é verdade que as marés
de lua cheia trazem fartura de peixe para as águas do Rio Vermelho.
De peixe não entendo muita coisa, só sei degustá-lo,
na forma moqueca, ensopado ou ao forno. Frito, também, mas não é do meu agrado.
A presença de pescadores nas praias do Rio Vermelho é algo que faz parte de sua
paisagem cotidiana, tal é a fartura de peixe que abunda nessas águas, desde
antes da época do Descobrimento. Esse fato do nosso dia a dia não teria me chamado
tanto a minha atenção, se eu não tivesse sido surpreendido pela visão de uma
velhinha jogando o anzol, de pé, sobre as pedras da praia de Paciência. Para
que o leitor tome conhecimento, há duas formas de se pescar com o anzol. A mais
conhecida é com o uso de um anzol amarrado a uma linha de nylon que é presa a
uma vara. Logo próximo ao anzol, um pedaço de chumbo ajuda a isca a cair longe
e a sumir nas profundezas. A outra é um anzol preso ao nylon, sem vara, mas com
a chumbada. É preciso força nos braços e conhecimento técnico para pescar desse
jeito. Pois a velhinha de aparência frágil, passos incertos próprios das
velhinhas, com os cabelos presos num cocó, em um vestido estampado de avozinha,
arriscava-se sobre as pedras acidentadas, jogando o anzol, sob o sol abrasador
de dez horas de dezembro. Ao seu lado, sobre a pedra, repousava um grande balde
branco, de plástico, no qual ela esperava levar para casa o fruto de sua
pescaria.
Ao presenciar aquela aventura, meu coração sentiu um
aperto. Mas que coisa perigosa, transitar sobre aquelas pedras. E é preciso
força para lançar o anzol sem a ajuda de uma vara, e força era o que faltava à
minha heroína. Ela jogava o anzol, mas
este não ia muito longe. Fiquei assistindo aquela cena, imaginando uma forma de
ajudá-la, e a única ideia que me passou foi ir até o mercado do peixe e comprar
alguns quilos para presenteá-la. Mas eu, em meu gesto de bom samaritano, corria
o risco de ofender o orgulho da velha, que julgava-se perfeitamente capaz de
cumprir aquela tarefa. Sem poder consertar o mundo, fui me dedicar ao motivo de
ter ido à praia naquela manhã. Deixei minhas coisas na areia e caí na água feito
um peixe.
A água estava límpida e tépida, e o pouco vento não
formava ondas. A praia parecia uma piscina de água salgada e piso de areia. De
onde eu estava, dava para ver a velha que pescava. Agora era tinha um aliado,
um rapaz muito magro e o dobro de sua altura. Ele emprestara à velha a sua vara.
De longe, parecia uma tosca vara de bambu, mas era melhor do que pescar sem
nenhuma. Fiquei imaginando se ela conseguiria pescar alguma coisa. Tão próximo
assim das pedras só dava peixes miúdos que mal faziam uma farofa. Continuei na
água, me esbaldando com a delicia que estava, até esqueci da velha. Só vou à
praia para ficar na água e só saio de lá para ir embora. Não deito na areia, para
tomar banho de sol. Prefiro banho de água. Ou fico bebendo cerveja e comendo
petiscos. Eu gosto mesmo é de ficar na água, ainda que não saiba nadar.
Agora havia um segundo homem ao lado da velha. Não
tinha pinta de pescador, parecia mais um chato. Usava um bermudão florido e a
brancura de sua pele denunciava a sua condição de turista. Ele conversava com a
velha, parecia que lhe dava conselhos de como pescar, como se ela precisasse.
Depois tomava seu caminho pelas pedras e voltava para a areia, onde a esposa o
aguardava debaixo do vistoso sombreiro. Não demorava muito, e lá estava ele ao
lado da velha, novamente, bisbilhotando. Ele dividia seu tempo entre a esposa,
na areia, e a velha, nas pedras.
Quando achei que já estava na hora de ir embora. Saí
da água e peguei minhas roupas dobradas na areia. Ao passar pelo turista, que agora
estava debaixo do sombreiro ao lado da esposa, pedi licença e me aproximei.
— Será que a velha consegue pegar alguma coisa? –
perguntei apontando para as pedras.
— Ôxi, o balde já está quase cheio!
Bendita, seja a velha. Quem não entende nada de
pescaria sou eu.
Rio Vermelho, 11 de dezembro de 2019.
Nota: Incentive o trabalho do escritor, deixando um comentário. Obrigado!
3 comentários:
Muito interessante, esse nosso Rio Vermelho rende é história, viu!
excelente contar de historias , do nosso Rio Vermelho!
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