É de consenso comum que ciúme é um sentimento que, muitas
vezes, extrapola o bom senso. É um fator humano ter ciúme, e se você diz que
não é uma pessoa ciumenta, está enganando a si mesma. Ou nunca realmente foi
posto à prova.
O meu amigo Juliano – nome fictício para Juliano –
sempre gostou de aventuras. Não me refiro a voar de asa delta-delta ao pular da
cabeça do Cristo Redentor, ou pôr a cabeça dentro da boca de um leão faminto, ou
pular de paraquedas sobre um campo minado, ou outras estripulias semelhantes.
Mais adiante você perceberá qual tipo de aventura o Juliano se interessa. E foi
justamente numa aventura dessas que ele se viu confrontado com um caso bizarro
de ciúmes.
Um dia Juliano abandonou o curso na faculdade e
resolveu correr o Velho Mundo. Quem vê assim, pensa que ele estava nadando em dinheiro.
Não tinha um puto, como diria a Madre Superiora. Pegou dinheiro emprestado com
um tio rico aposentado e caiu no mundo.
Juliano era um cara bonito, de pele morena, curtida na
praia do Porto da Barra. Cabelos negros como as asas da graúna – José de
Alencar que me perdoe o empréstimo – e feições finas como as de um príncipe
hindu. Muito gentil e de conversa fácil, poliglota – graças à contínua prática
do namoro com gringas em visita à cidade –, não teve dificuldade em fazer
amizades por onde passasse, e pelas mais belas moças europeias foi hospedado em
seus leitos, e ele soube retribuir ardorosamente a generosa hospitalidade.
Juliano gostava de dançar e, certa noite, numa boate em
Estocolmo, conheceu um belo casal. A mulher era de uma beleza escandinava só
vista em propaganda de shampoo. O cara era um daqueles tipos altos, magros,
simpáticos, com um sorriso bobão. O casal ficou encantado com o estrangeiro.
— Sempre desejei ver minha mulher ser comida por um verdadeiro
amante latino – confidenciou o sueco, sob o olhar fingidamente tímido e
virginal da esposa.
— E eu sou o gênio da lâmpada – disse Juliano
encantado com a proposta. – Que o seu desejo seja realizado!
Viu, é desse tipo de aventura que eu estava falando.
Meia hora depois, o couro comeu no lar dos Larssons.
Naquela noite, Juliano estava embebido de um verdadeiro espírito patriótico e
se sentiu no dever de representar bem o seu país. Jogou duro, por assim dizer.
Rolou sexo, drogas e rock ‘n’roll, mas não necessariamente nesta ordem.
Depois do primeiro round, Juliano foi até a sala do
casal repor as energias, enquanto fumava um baseado – mais uma cortesia dos
Larssons – e bebia uma dose de
‘aquavita’. Ficou encantado ao ver uma estante abarrotada com centenas de
discos de vinil. Que magnífica coleção, regozijou. Estava metodicamente organizada
em ordem alfabética, por nome do músico ou banda. Escolheu um Jimi Hendrix e o
pôs para tocar na vitrola retrô. Mal os acordes da guitarra do gênio musical se
fizeram ouvidos, Gunnar – o sueco de sorriso bobão – apareceu enfurecido na
sala de sua casa, vestido como veio ao mundo. Gritava, ao mesmo tempo que agitava
os longos, brancos, finos braços, dominado por um verdadeiro um chilique.
— Cara, você pode fumar meu baseado, beber da minha
birita, comer a minha mulher, mas não toque nos meus vinis!
Já viu que cara mais ciumento?!
Rio Vermelho, 12 de janeiro de 2020.
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