Ela tinha obsessão por perfeição. E quando foi morar
na nova casa, no primeiro dia do ano, ficou feliz ao ver novamente a simetria
de sua faixada. Era quadrada com duas janelas igualmente quadradas e uma porta de
duas bandas no meio. As paredes eram impecavelmente brancas e iria mantê-las
assim, resolveu não pendurar nem mesmo um calendário. Havia um pequeno jardim
na frente, ou melhor, um gramado bem cuidado. Nos fundos, o quintal era maior
do que poderia desejar, ainda não tinha ideia do que fazer com ele. A casa era
um pouco grande para ela, que só tinha a companhia de um gato, mas ela preferia
assim. Um cão aproveitaria melhor o espaço do quintal, gostavam de correr e cavar,
mas gato era animal de ficar dentro de casa, e o dela reencontrou o seu lugar embaixo
de uma antiga cadeira de palhinha. No antigo apartamento, a cadeira servia de
abrigo para ele, e não foi diferente na nova moradia. Defronte da casa havia
uma igreja e isto deu a ela o que pensar.
Quando foi a última vez que fui a uma missa?, se
perguntou. Porém não encontrou resposta. Já fazia tanto tempo... Estava
começando uma vida nova e talvez reencontrar-se com Deus fosse uma ótima
mudança. Estava resolvido, iria todos os domingos à missa. Era só atravessar a
rua. Aquela seria uma de suas resoluções do novo ano que começava.
Passou o resto da semana arrumando a casa, colocando
as coisas no lugar, ao seu jeito. Depois que terminou, fez uma rápida faxina e
deu-se por satisfeita. No domingo, acordou cedo, fez o café e tomou-o na mesa
da cozinha, ao lado da janela que dava para o quintal. Os pássaros cantavam e
se amontoaram em volta de uma casca de mamão posta sobre uma banqueta. Quando,
no apartamento no centro da cidade, recebera tão ilustres visitas?, se
perguntou. Jamais.
Depois de tomar o café, apressou-se para não chegar
atrasada à missa. Era a primeira missa do ano e a igreja estava cheia. Mesmo
assim, encontrou um lugar na ponta de um banco. Logo em seguida, a missa
começou.
Ficou feliz de se lembrar de todas as rezas e lhe pareceu
que a missa continuava do mesmo modo como se lembrava, apesar de que hoje em
dia o repertório de músicas era mais moderno. As músicas eram bonitas e iria
memorizá-las para a próxima missa.
Quando chegou a vez da Comunhão, aquele momento em que
se vai para uma fila, com uma expressão contrita, e abre-se a boca diante do
sacerdote, para receber a hóstia. Ela levantou-se e foi tomar um lugar na fila.
Quando chegou a sua vez, no momento em que o padre pegou uma hóstia, ela
percebeu que algo não estava de seu agrado. A hóstia estava rachada ao meio, porém
ainda inteira, e faltava-lhe um imperceptível pedaço. Aquela imperfeição a incomodou.
Tentou não dar importância, mas foi-lhe impossível. A boca, que estava aberta para
recebê-la, se fechou abruptamente, para surpresa do padre que não compreendeu o
gesto.
— Será que o senhor poderia trocar esta hóstia por uma
que esteja... inteira? – ela perguntou ao padre, desconcertada.
— Minha filha, você fez a Primeira Comunhão? –
perguntou o padre, com um olhar severo.
— Não – ela respondeu, constrangida.
— Então volte para o seu lugar e depois teremos uma
conversa séria – disse o padre, negando-lhe a hóstia.
Sentindo-se humilhada, ela voltou para o banco e ficou
cabisbaixa o resto da missa. Podia sentir o peso dos olhares dos outros fiéis sobre
ela. Mas era só trocar a hóstia, recriminava o padre. Depois daquele domingo,
nunca mais voltou à missa.
Rio Vermelho, 1 de janeiro de 2020.
Nota: Incentive o trabalho do escritor, deixando um comentário. Obrigado!
Um comentário:
Havia tempos que eu não dava as caras por aqui. Muito boa a crônica. Feliz 2020 para você.
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