Eu sou um
daqueles milhares de usuários que todos os dias embarcam em transportes
públicos. Já tive automóvel, mas não só o alto custo para manter esse conforto
urbano, a falta de real necessidade de possuí-lo para desempenhar tarefas do
meu cotidiano, como o aumento dos congestionamentos na cidade e a dificuldade
para estacionanar, fizeram eu me tornar um sem-carro – fora as questões
ambientais intrínsecas ao uso de automóvel. Ao pôr na balança as vantagens e
desvantagens de ter um automóvel, confesso que me livrei de um problema a menos
em minha vida. Eu sempre vi o carro como um eletrodoméstico, como um fogão,
geladeira ou liquidificador, só me serve para que me leve de um lugar a outro,
e de modo algum como um símbolo de status social ou forma de investimento. Por
isso, sempre que preciso ir a algum lugar distante, pego um ônibus ou metrô, e
se estou com pressa, a poucos passos de minha casa existe um ponto de taxi, que
me poupa de esperar por transporte por aplicativo, que motorista de taxi, além
de não se recusar a fazer qualquer viagem, conhece a cidade como a palma da
própria mão.
O
inconveniente do transporte público não é a demora da viagem, quem se planeja,
não chega atrasado, mas o entra e sai de vendedores ambulantes e pedintes. Esse
pessoal fala alto para ser ouvido dentro do coletivo e quando descem do ônibus,
já entra outro com a mesma falação interminável e repetitiva. Isso enche o
recipiente, como diria o meu pai.
Já no metrô é
outra coisa, uma voz feminina, de entonação corporativa, anuncia que atividades
de vendedores ambulantes, pedintes, pregadores religiosos, de partidos, de
sindicatos e até assaltantes profissionais são proibidas. Então viaja-se com mais
tranquilidade, dá até para ler algumas páginas de um livro, sem ser perturbado
pelo falatório.
Mas vivemos
num país em que leis foram feitas para irem parar no cesto do lixo. Onde há uma
proibição, é certo que haverá um infrator, alguém que vive segundo a crença de
que leis foram feitas para não serem cumpridas. Não é à toa que estamos nessa
zorra total.
Outro dia, lá
ia eu num trem do metrô, na hora próxima do almoço, então é possível imaginar a
aglomeração de gente de pé, porque os assentos estavam todos tomados – mas não
era nem de longe o aperto que é num ônibus do BRT, nos empurrado como sinônimo
de transporte de conforto, onde, na verdade, não há nem espaço para se soltar
um pum. –, então eu ouvi um vozerio no vagão onde eu estava. Era uma senhora
pedindo dinheiro. Ela tentava circular entre os passageiros de pé no vagão, o
que não era uma tarefa fácil, uma vez que estava lotado. Então ela abria
caminho falando assim:
— Com licença…
Com licença… Por favor, deixa eu passar que eu estou trabalhando.
Aquela declaração me surpreendeu. Ora essa, desde quando pedir virou trabalho? Para uma população na margem da miséria, que não encontra vez nos programas de benefícios sociais do governo, pedir tem sido a única solução. Pessoas acordam todas as manhãs com o estômago vazio e vão para as ruas em busca de solidariedade, para não passarem fome. É claro que há aqueles que simplesmente preferem pedir a procurar por um trabalho de verdade, mesmo que seja de vendedor ambulante. Trabalho ou não, é inegável que pedir é uma atividade lucrativa, livre de impostos e despesas. Um pedinte obstinado consegue ganhar mais que um assalariado de carteira assinada, por hora de trabalho. Mas fica a questão, se todos nos tornamos pedintes, quem irá trabalhar para sustentar essa multidão?
Rio Vermelho, 30 de outubro de 2023.