quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Ano novo, imposto velho.


Decidi fazer uma virada de ano diferente, para variar. Fui com minha sobrinha Isabela e sua filhinha Lua assistir à tão falada queima de fogos na Barra. A pequena de nove anos nunca tinha visto nada igual e me senti feliz em fazer parte deste momento único de sua jovem vida. O primeiro show de fogos é como o primeiro sutiã, nunca se esquece.


Depois da ceia, fomos enfrentar a jornada do Rio Vermelho até a Barra, são quase 8 quilômetros a pé. Eu bem que tinha prometido caminhar mais em 2007 e finalmente cumpria a minha promessa! Coloquei champanhe gelada na sacola ecologicamente correta e seguimos adiante. Eram quase dez quando saímos de casa e encontramos as ruas quase desertas até chegarmos ao Largo de Santana. Quisera eu que o Rio Vermelho fosse sempre assim, aquela atmosfera de cidade fantasma. Na praia, um grupo deixava oferendas a Iemanjá na esperança de ter pedidos atendidos. Pelo caminho, pessoas vestidas de branco surgiam de todas as partes, em direção ao mesmo destino. Só nossas blusas eram brancas. A alegria da festa era visível em cada rosto anônimo na rua. A queima de fogos do Farol da Barra tornou-se a grande pedida de final de ano. Não é à toa que o espetáculo atraia multidões, pessoas visitam Salvador só para assisti-lo. Lua tinha de ver esta maravilha.


Logo chegamos à praia da Paciência. Um esperto produtor teve a brilhante idéia de fechar a enseada e montar no local uma festa de fim de ano regada à areia e água do mar, ao preço módico de setenta reais por pessoa. Não sei porque não sou eu quem tem estas idéias engenhosas. Pelo visto, ganhar dinheiro fácil não é a minha praia! Pessoas faziam fila para entrar na festa. Seguimos adiante.


Chegamos a Ondina, metade do caminho. Havia muita gente na avenida ao longo da praia, interditada para automóveis. Algumas famílias improvisaram ceias na praça em frente ao Instituto de Reabilitação e o mar. Levaram cadeiras e mesas de armar que esbanjavam fartura e saúde. Quem tinha carro com o som potente, tratou de montar seu próprio trio-elétrico com o volume no mais alto grau, no estacionamento da praça em frente à calçada. Havia música para todos os gostos tocando ao mesmo tempo. Era uma verdadeira salada musical. O som alto doeu em meus tímpanos. Isto me fez lembrar porque evito as festas populares de Salvador. Apressamos o passo para fugir dali. Fico feliz de não ter como vizinho nenhum daqueles amantes de música. Bebia-se muito. A tal da lei do bafômetro, pelo visto, foi parar no chinelo. Torci para que os anjos da guarda levassem todos de volta para casa com segurança. Alguns gatos pingados dançavam animados. Outros falavam ao celular desejando boas entradas a amigos e parentes distantes. Uma moça falava aos berros no aparelhinho ‘minha tia eu já estou bêbada! minha tia eu já estou bêbada!’ Provavelmente não era invenção sua. Havia vendedores de bebida e churrasquinho de gato por todos os lados disputando a freguesia. Lembrei de uma amiga possuidora de mais de uma dúzia de felinos e que sempre se queixa da falta de grana, ela bem que poderia estar fazendo um dinheirinho extra naquela noite. O cenário em Ondina era de festa familiar. Como o pobre se diverte com tão pouco. Aposto que as festas chiques e pagas em hotéis a preço de ouro e a prestação não são tão animadas. Continuamos andando. Lua se queixava de dor nos pés. Quis tirar as sandálias e continuar descalça, mas foi sabiamente impedida pela mãe. Lembrei que provavelmente vinte anos antes Isabela faria a mesma coisa e ninguém conseguiria impedi-la. Irônico, não? Mãe e filha são tão novas, pareciam duas irmãs andando de mãos dadas.


A noite estava fresca e agradável. Chegamos à Barra quase esbaforidos uma hora antes da virada, juntamente com uma multidão. No caminho, passamos em frente ao Clube Espanhol onde Ivete Sangalo dava o seu famoso show. Lembro que vi um anúncio gigante colado na lateral de um prédio durante o ano inteiro. Era impossível não ouvi-la. Sua voz soava como a de alguém que tivesse corrido dois lances de escada para atender ao telefone. Achei aquilo medonho. Não deviam deixar a Ivete subir escadas correndo antes dos shows!


Eu, Isabela e Lua ficamos num ponto entre o Morro do Cristo e o Espanhol. Podíamos ver a balsa de onde os fogos seriam lançados. Perfeito. Sentamos na balaustrada em frente ao mar, era como estar num camarote. Enquanto esperávamos pelo grande momento, jogávamos conversa fora e assistíamos os passantes que queriam chegar até mais próximo ao Farol da Barra. A segunda atração da noite seria um show musical num palco montado no gramado em frente ao Farol, depois da queima de fogos. Não o incluímos em nossa programação. Um espetáculo apenas já era o bastante. Para ser franco, detesto shows de música. Raramente vou a algum. Fico ansioso quando eles se aproximam do final e o músico ainda canta um bis. Parece que aquilo não vai ter fim nunca. Detesto a parte do bis. O show ideal para mim é aquele que o cantor já começa cantando o bis e todos vamos embora logo depois da última música. A minha regra para ir a shows é a seguinte, nunca ir a shows cujas músicas sempre tocam nas rádios e programas musicais de TV. Para que pagar por algo que posso ouvir de graça no conforto de meu lar? A propósito, não tenho rádio e só assisto filmes e seriados. Ao nosso lado, havia uma simpática família, pai, mãe e dois meninos não maiores que seis anos. Em certo momento, fui surpreendido com mãe dando aula de boas maneiras ao menor, ensinado-lhe a fazer xixi em local público e justamente ao meu lado! Imaginei como ele seria o orgulho da mamãe quando virasse um adulto. Um casal logo à frente dava fim ao estoque de beijos do ano antes de chegar o novo carregamento de 2009. Parecia que tinha sobrado muito pois eles não paravam nunca. Boa forma de se despedir do ano velho. Um casal de velhinhos passou de mãos dadas, cada um com sua bengala. Faltavam só cinco minutos para a virada. Lua começou a preparar a garrafa de champanhe para ser aberta, tirando o papel laminado e quando fui ajudá-la com o lacrede arame, a rolha estourou longe! Todos riram em volta. Ainda bem, porque a champanhe deu um banho em quem estava por perto.


Para a alegria geral, o espetáculo começou. Durante os quinze minutos que se seguiram, o céu se transformou num gigantesco caleidoscópio de luzes, cores e magia. Ficamos hipnotizados. De todas as invenções humanas, não há algo que mais encante aos olhos que os fogos de artifício, ele nos retorna à nossa infância. Uma explosão e logo surgiu um enorme cogumelo brilhante rosa, seguido de outro dourado e de mais outro verde sobre o mar iluminado pelo colorido. Em seguida, uma flor cintilante desabrochou no céu. Outra explosão, e formou-se uma bola de chuviscos brilhantes que foi aumentando de tamanho e crescendo parecendo avançar e cair sobre nós. Difícil por em palavras tudo que assistimos embriagados com tanta beleza. Lua não piscava um só olho de tão maravilhada. Isabela ria feito uma criança. Até eu me senti criança de novo com todo aquele brilho de cores. A cada nova surpresa, ouvia-se os suspiros emocionados da platéia. Uma senhora alegre ao meu lado dava palminhas e pulinhos de contentamento.


- Está gostando, senhora?


- Isto é lindo!


- Aproveite bem pois estão queimando uma fortuna em impostos!


- É verdade. - disse pensativa.


- Ano que vem, o espetáculo será ainda maior, graças ao aumento de 150% do IPTU já proposto!


- Nem me fale! Não sei de onde vou tirar tanto dinheiro.


- Não pense nisso agora. Feliz ano novo!



Rio Vermelho, 1 de janeiro de 2009.

3 comentários:

Sarnelli disse...

Aguarda-se com ansiedade. É um assunto interessante . Eu sempre julguei que ano novo vem com imposto novo. Vamos ver !... Feliz 2009, com imposto velho ou mesmo novo.

Sarnelli disse...

Pois é meu amigo. Eu e a minha mulher fomos dormir em 2008 e acordamos no ano seguinte... Não pensei em fazer um programa semelhante e, se tivesse pensado, com toda a certeza, não o faria, para não andar tanto , mas fiquei com uma pontinha de inveja...! No entanto , pelo menos, com o seu relato, aqui em casa, pudemos ter a sensação de ter estado presentes ao grande espetáculo.. Pode acreditar que a sua maneira de descrever a queima dos fogos , nos colocou invisíveis na multidão que lá estava presente. Meus parabéns pela sua belíssima produção ! Ah, sim, não se esqueça de nos convidar para a próxima queima no farol...faremos companhia ! Abraços .

Ana Martha Falzoni disse...

Assisti à queima de fogos na Barra uma única vez,a trabalho. Sensacional... Este ano pouco vi os fogos, estava de plantão na redação, de madrugada. Se estivesse em Salvador, ia pedir minha parte em desconto. Belíssima estória.