Uma coisa que sempre me maravilha é a diversidade cultural. Isto mesmo, os diferentes valores entre pessoas da mesma cultura ou de culturas diferentes e suas formas para resolver problemas do cotidiano, pelo mundo afora. No final, não existe esta ou aquela forma certa de se fazer uma coisa, e sim aquela que se adéqua à realidade e valores de cada pessoa ou cultura.
Na quarta-feira de cinzas fui convidado por minha querida amiga Celina para almoçar em sua casa. Ela sabe o quanto gosto de ensopado de frango com cuscuz marroquino e quis me fazer este mimo. Era uma retribuição pelas vezes que a convidei para almoçar aqui em casa e cozinhei para ela. Quem nunca provou o cuscuz marroquino, vale a pena experimentar. Ele não é feito de farinha de milho como o cuscuz que comemos aqui pelo nordeste, é também um prato simples, mas feito de grãos de sêmola de trigo, também chamado de semolina.
Durante o agradável almoço, feito por sua secretária Esmeralda, ela se queixou do filho. Um rapagão de quase 2 metros de altura, 25 anos de idade e cara de bobão. Mas, como logo descobri, de bobão, ele não tem nada. Está desempregado, ou melhor, quase nunca pegou no pesado. Quis saber o que ele tinha feito afinal, para deixá-la aborrecida. Contou que durante o carnaval ele tinha levado mulheres para casa. Não admitia que ele transformasse a casa em motel. Ouvi aquilo calado, afinal cada um sabe como põe ordem em sua própria casa. Nós brasileiros fazemos uma clara distinção entre a casa e a rua. Sobre isto o antropólogo Roberto DaMatta já escreveu a respeito. Ele diz que a nossa casa é como um templo sagrado onde mora a família, os filhos são educados e onde recebemos nossos amigos e parentes para comemoração de datas e tradições importantes da família. É nela que cultivamos hábitos saudáveis e dentro dos padrões morais de nossa sociedade, e blá, blá, blá. A rua é justamente o oposto, o lugar mundano e profano. Onde se vai à luta em busca do sustento da família. O lugar onde os excessos são permitidos e mesmo padrões morais podem ser postos de lado, ou melhor, deixados em casa. Em resumo, o garoto poderia comer na rua quem quisesse, mas talvez só pudesse levar para casa a namorada, previamente apresentada formalmente aos pais, por exemplo.
Tal preocupação de minha amiga me fez lembrar de uma conversa que certa vez tive com uma colega de trabalho da Islândia, durante um jantar. A islandesa me mostrou orgulhosa uma foto de sua bela família. Estavam ela, o marido e a filha adolescente de 17 anos sentados num banco de jardim. A Islândia é conhecida pela beleza de suas mulheres, e a beleza de sua filha era uma prova disso. Ela contou que o marido era um jornalista e que a filha ainda estava no colégio, e que, no momento estava morando na casa do namorado. Declaração me surpreendeu por causa de sua jovem idade. Perguntei-lhe se era comum na Islândia, garotas adolescentes morarem sozinhas com o namorado. Ela me respondeu explicando que eles estavam morando juntos, mas na casa dos pais dele, uma vez que ele tinha a mesma idade que ela. Nem trabalhava ainda. Acrescentou que depois de dois meses, ela voltaria para casa com o namorado e ficariam uma temporada. Era sempre assim, eles passavam um tempo lá e outro cá.
Para nós, brasileiros, este arranjo é impensável, disse-lhe. Os pais sequer admitem que o namorado entre no quarto da filha, e nas raras vezes que isto acontece, a porta tem de ficar aberta. Nos casos mais extremos, a filha e o namorado têm de assoviar e bater palmas freqüentemente para que os pais saibam que suas mãos e bocas não estejam engajadas em alguma atividade indecente! Admitir a filha adolescente morar com o namorado, seria o mesmo que deixá-la viver em pecado. Morar juntos, só depois de casados na igreja e com papel passado, como se diz. Enfim, ainda não aceitamos a idéia de nossas pequenas princesinhas já estarem transando. Contei-lhe que uma amiga estudante de advocacia, portanto uma mulher adulta, ao comunicar à mãe que tinha perdido a virgindade, esta fez um drama, deu um chilique, chorou, tomou calmante. Tornou um assunto íntimo em problema de família, convocando todos, irmãos, tios e avós, enfim, o circo todo, para uma reunião de família para tratar do assunto. A filha já estava estragada e ia ficar viciada em sexo! Os pais brasileiros preferem ignorar a vida sexual dos filhos, daí porque o negócio de motel é tão lucrativo e nunca para de crescer. Na maioria dos casos, financiados com as mesadas que os filhos recebem dos próprios pais! Já nos países nórdicos, o sexo não carrega a culpa do pecado que nos países católicos lhes é impingida.
Provavelmente, com o intuito de remediar a impressão que me causara, minha colega islandesa acrescentou que havia uma coisa que ela não admitia do namorado. E eu, em minha mente maldosa e perniciosa, fiquei tentando imaginar o que seria ainda mais libertino que permitir a filha adolescente ser comida no quarto ao lado pelo insaciável namorado adolescente. Seria o uso de drogas em casa? Sexo selvagem? O barulho deixaria todos assustados em casa e na vizinhança? Orgia? Fiquei curioso. O que é? Perguntei.
Então, ela me respondeu com uma ponta de orgulho e triunfo de uma dona de casa islandesa que está em pleno comando de seu lar e de seus direitos.
- Eu não permito que ele deixe suas roupas sujas para eu lavar!
Rio Vermelho, 25 de fevereiro de 2009.