segunda-feira, 9 de março de 2009

A falta que ela faz.

Esta semana li que burocratas, cientistas e ambientalistas do mundo inteiro vão se reunir na Turquia para discutirem o problema da falta de água no planeta Terra. A coisa ta ficando séria, né? Isto mesmo, daqui a alguns anos, vai faltar água pra quem tiver sede. Como todo mundo, cuidarei de fazer meu estoque aqui em casa. Encherei com água garrafas, panelas, latinhas, sacos, sacolas plásticas, enfim qualquer coisa onde ela possa ser armazenada. Não apenas para o nosso consumo, venderei a dita cuja no mercado negro, na Sete Portas. Ao ler esta dramática notícia, fechei os olhos e tentei imaginar um cenário de como seria o mundo sem este líquido insípido e incolor. Não vi nada. Talvez porque não haverá nada para se ver além de pedras e poeira. A terra será um grande nada. Nem eu estarei por aqui para tirar uma foto e postá-la em meu blog. Na hipótese de haver um único sobrevivente, este poderá atravessar o Atlântico a pé. Provavelmente, ele morrerá de sede antes de chegar ao outro lado.

    Tudo isto é um exagero, é claro. Mas a nação que tiver água sobrando, será mais rica que aquelas que tiverem petróleo em seu subsolo. Isto me fez lembrar de um filme que assisti faz pouco tempo. Um engenheiro americano foi trabalhar na Arábia Saudita, e num passeio de carro por uma estrada através do deserto, encostou num posto para abastecer. Talvez pela falta de fregueses naquela região inóspita, o frentista ocupava seu tempo lavando o pátio do posto com a intenção de abaixar a poeira. Usava uma mangueira. Para a surpresa e terror do americano, o líquido utilizado era a gasolina! O mesmo saudita talvez tivesse reação semelhante, caso presenciasse cena inversa aqui no Brasil. Nosso frentista estaria usando água, é claro. Água já vale mais que petróleo naquela parte longínqua do mundo.

    Nunca demos a devida importância a esta coisa de economizar água, a não ser para não sermos pegos de surpresa com uma conta dolorosa da EMBASA, no final do mês. Lembrei de um vizinho, sempre os meus vizinhos. Um simpático senhor aposentado que gostava de aguar as plantas do jardim e lavar os quatro automóveis da família diariamente. Como se isso não bastasse, ele molhava sua calçada e o pedaço de rua em frente à sua casa demoradamente. Ficava ali na calçada, de pé, segurando a mangueira e se deliciando com o jato de água que saia abundante. Adorava ouvir o barulho da água batendo das pedras da calçada e sobre o paralelepípedo da rua e o cheiro de terra molhada. Saca como é, se aliviar no mato demoradamente enquanto assobia, coça a cabeça e admira a paisagem? Era assim mesmo. Sua conta de água era amarga, apesar de água ser uma coisa barata aqui por estas bandas. Felizmente foi morar num prédio de apartamento chique e o mundo se viu livre um predador aquático.

    Água é um troço tão simples e elementar, mas que é impossível passarmos um dia sem ela. Não há coisa mais gostosa do que tomar um copo de água gelada depois de comer um doce de leite. Ou tomar um banho frio e demorado num dia de calor. Sem água, não dá pra ficar.

    Eu sou um cara que gosta de inventar coisas. Os japoneses já roubaram muitas das minhas idéias, acredite. Eu tenho um invento que desta vez vou patentear, e vou ficar mais rico que xeique árabe. Água em pó. É simples. Ela será vendida em pacotinhos. Quando o cidadão tiver sede, é só despejar o conteúdo num copo e adicionar água e mexer. Tá pronta!

    Estou falando aqui de água apenas para o consumo doméstico e como isso mudará nosso comportamento. É claro que a industria e a lavoura vão penar também. Lembrei de um amigo que ao se formar na faculdade, comprou uma motocicleta e resolveu viajar pelo Nordeste. Seu espírito era jovem e idealista, queria conhecer a fundo o nosso país e suas mazelas. O Lula teve uma idéia semelhante antes de finalmente conseguir ser presidente, mas seu diploma é o de esperteza. Pois bem, Roberto saiu sem lenço e nem documento montado em sua Honda pelos grotões do sertão. Certa noite, apeou numa pequena fazenda e foi acolhido de forma hospitaleira pelo dono da casa e sua patroa. Era um lugar miserável de quente e seco. Os donos da casa eram meio calados. Provavelmente economizavam nas palavras para não sentirem sede. Poupavam a água de beber. Mas eram muito simpáticos. Sorriam sempre. Roberto puxou conversa durante o jantar que foi um guisado de teiú com arroz de pequi, iguaria muito apreciada no sertão em época das vacas magras. Não chovia há oito meses. Dona Francisca já tinha até feito uma promessa de acender 5 velas de um metro aos pés da estátua do padre Cícero em Juazeiro, caso chovesse em um mês. Seu Amâncio não tinha como trabalhar em sua roça, e por isso arranjara um emprego inusitado. Era jardineiro de uma mansão em pleno sertão! Além de aguar as plantas e o gramado diariamente, cuidava, também, da piscina da propriedade que pertencia a um deputado federal importante. Tinha, também, de lavar os carros da família todo santo dia. A seca só não atinge gente importante, disse ele amargurado. A vantagem de trabalhar lá naquela casa é que ele podia beber água à vontade todos os dias e até tomar banho, se quisesse.

    Ao final da janta, Roberto agradeceu muito aos anfitriões e recolheu-se em seu quarto, pois como não havia luz elétrica na casa, todos iam para cama cedo. A casa era de paredes de adobe e caiada. Não havia forro e as paredes não iam até o teto. Deitado em seu catre, Roberto pode ouvir o seguinte diálogo vindo do quarto ao lado. Algo que ilustra bem o que é viver em tempos de pouca água.

    - Bem? – chamou dona Francisca.

    - Eim?

    - Tu vai me querê hoje?

    - Na... – grunhiu seu Amâncio.

    - Ah! Então só vou lavar os pé!


 

Rio Vermelho, 4 de março de 2009.

4 comentários:

Ana Martha Falzoni disse...

Tenho uma leve impressão de que as chances dessa sua água em pó não vingar estão... algo em torno de 100%.

Sarnelli disse...

Passei por aqui...Se a sua amiga Ana Martha tem a impressão de que a sua água em pó não vai vingar, eu tenho a certeza !... Aquela idéia de somente lavar os pés em certos momentos, é interessante...Água, é mesmo coisa séria, Cristiano , mas,como difundir uma conscientização de que é preciso mesmo ter muito cuidado com o líquido precioso ? Lavar carros de mangueira ? Em princípio , é até proibido
, mas tem gente que se delicia ainda em lavar os passeios também de mangueira ,ignorando que está comentendo um crime contra a coletividade...

Ana Teresa Baptista disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ana Teresa Baptista disse...

Não pude ler a sua resposta. Receio que não tenha escrito palavras tão agradáveis quanto em algumas crônicas de seu blog.