quinta-feira, 8 de abril de 2010

Cada um se dá a importância que pode.

Já faz tempo que venho reparando o modo com que algumas pessoas repetem que andam muito ocupadas. Virou um lugar comum este hábito que ora surge como um queixume ou como apenas uma simples desculpa. Todas elas andam muito ocupadas, como se ninguém mais fizesse coisa alguma além delas. Creio que há um vírus solto no ar infectando as pessoas com esse mal que aflige desde o vagabundo que dorme debaixo da árvore aqui na porta de casa até ao presidente da república! De onde vem tanta ocupação? "Agora não posso falar, estou muito ocupado!" Disse "o muito ocupado" ao atender ao telefone. Pra que atendeu, então? Onde será que arranjou tempo pra isso?! Em conversas sociais, não se fala mais do tempo — vai chover? Não vai. Mas tá calor, é sinal que lá vem chuva. — e sim de como se anda ocupado, mas sem se especificar exatamente com o quê. Talvez porque o "com o quê" não importe tanto quanto "o como".

De tanto ouvi-las, decidi refletir melhor sobre o porquê de tanta ocupação. Deixei de lado as pessoas que andam realmente ocupadas. Estas nunca se queixam, até porque estão por demais ocupadas para tanto. Resolvi me ocupar das que se dizem ocupadas por falta do que ter melhor o que fazer. Observei que algumas pessoas apenas andam estressadas e, por isso, se consideram mais ocupadas que outras. Elas provavelmente estão associando o seu estado emocional às suas responsabilidades. Há uma clara confusão entre estresse e estar ocupado. Desde quando estar estressado e estar ocupado são o mesmo? Quem sabe elas estão neste estado de estresse porque não estão fazendo nada de tão importante quanto gostariam e, por isso, se sentem culpadas por terem a falsa impressão de estarem perdendo tempo? De tanto ouvir os amigos se gabar dos próprios feitos, por exemplo, terminam imaginando que estão perdendo alguma coisa. Não fazer nada, para alguns, é o fim do mundo. Algumas pessoas simplesmente não conseguem conviver com isto, porque não foram condicionadas para tanto. Melhor dizer que andam muito ocupadas, então.

É verdade que muitas pessoas associam a ideia de estarem ocupadas ao fato de estarem correndo de um lado para o outro, ou de estarem sempre ao telefone ou estarem com as mãos ocupadas num teclado e os olhos fixos na tela do computador. Ao contrario de toda esta demonstração óbvia de ocupação, eu lembro que trabalhei num lugar onde o fato de tirar apenas uma hora do dia para pensar e não fazer mais nada, fazia parte do serviço. "Não posso falar agora, estou no meu horário de ócio."

Minha amiga C.C. disse-me, certa vez, que geralmente as pessoas estão ocupadas com coisas inúteis. Alguém aí anda fuçando muito o Orkut?! O que ela diz pode ter um fundo de verdade, porem, levanta uma discussão sobre o sentido das coisas. O que pode ser útil para uns, parece inútil a outros, pano lá pra muita conversa de bar. Fico imaginando, porem, pessoas repetindo a si mesmas que estão ocupadas como uma forma convencerem a si mesmas que a vida está fazendo sentido. Vivemos numa época em que muitos buscam ser algum tipo de celebridade e sair do anonimato, provocado pelo inchaço das grandes metrópoles. Cada um faz o que pode para aparecer. Tatuam-se até a raiz do cabelo, pintam o cabelo de verde, modificam a própria anatomia com implantes exagerados que vão desde silicones nos seios até a colocação de chifres na testa, assumem atitudes irreverentes que chocam a sociedade, agrupam-se com seus semelhantes em de diversas formas, escrevem blogs, como eu, ou apenas dizem que andam muito ocupadas. Para estas ultimas, falta-lhes senso de humor e criatividade para curtir o momento de ócio. Elas parecem gostar de dizer que estão ocupadas. Sentem-se mais úteis, engajadas em alguma coisa importante. Fazem parte de um mundo que produz, que vai para algum lugar, mas não se sabe exatamente para onde. Querem fazer parte daquele grupo de pessoas ocupadas, sabe. "Olha, agora não posso lhe dar atenção, estou ocupado." Mas porque será que elas fazem tanta questão em dizer que vivem ocupadas? O que há de errado elas terem algum tempo dedicado a não fazer exatamente nada?

Rio Vermelho, 4 de abril de 2010.

3 comentários:

Sarnelli disse...

Cristiano, aprecio as suas divagações e maneira de colocá-las no ar , apesar de que muitas vezes me confundo com os seus pensamentos ... Gostei do tema, que me atingiu em cheio ! Eu sou um destes que está sempre ocupado, exatamente em não fazer nada ... Outro dia eu estava no shopping Barra e uma coisa que me chamou àtenção foi exatamente o corre-corre das pessoas, muitas delas agarradas, com as duas mãos e dois braços, à uma pasta de plástico contendo alguns documentos.Algumas pessoas carregavam pastas ou sacolas de tecido . Era gente que ia para todos os lados, que saía do SAC , com a maior pressa do mundo !E eu olhava , me entretia e me perguntava o porquê daquela correria e o que iriam fazer com o tempo que, eventualmente , conseguissem ganhar já no fim do dia cansados e estressados. No meu caso , como ando estressado porque fazer nada também dá trabalho , me recolho cedo e curto o "dolce far niente" à minha moda, sem necessidade de ajudante. Tem mais: só resolvo o que vou fazer do meu dia seguinte , no momento em que terminar um cafezianho e ficar esperto.Devo esclarecer que, para eu ficar esperto depois de acordar, levo , pelo menos , uns 45 minutos. Para que pressa ? É preciso clarear a idéias... Para mim, o mundo pode parar onde está ...

Só uma coisa me impressionou: você entende mais do que eu da nobre atividade de " não fazer nada !"..
eu estava pensando em fazer algo com esse motivo mas parece que fui lento demais...O preço da minha preguiça ! Eu não fiz mas , o que importa, é que alguém fez por mim e está feito.

Carmela disse...

Esse tema é interessante. São muitas as pessoas que conheço que não se dão a direito de ficar sem fazer nada, quando isso acontece sentem-se inúteis, precisam sempre estar fazendo alguma coisa, ou melhor, parecer que estão fazendo alguma coisa. De minha parte adoro ficar sem fazer nada, apenas contemplando o mar.

ines disse...

Cristiano querido, havíamos falado sobre isso, virtualmente, lembra?
morando aqui em santo, depois de uma vida em salvador, reparo que a cidade do interior nos deixa com mais tempo pro não fazermos muita coisa. mas meus amigos, alguns, quando me visitam, acham muito chato ficar com tanto tempo livre e com tanto silêncio ao redor. as pessoas só se conhecem muito ocupadas. de outra forma, perdem a identidade e enloquecem. muito legal seu escrito, seu pensar sobre isso e sua forma, sempre tão honesta de falar sobre tudo.