quarta-feira, 21 de abril de 2010

A despedida numa tarde de chuva

Esta semana, uma querida amiga despediu-se deste mundo no meio da tempestade. Chovia muito ao ouvir a notícia pela manhã. Foi uma conversa breve e emocionada. Era coisa já esperada. Despedi-me mentalmente, recordando de momentos de nossas vidas. Há algum tempo estávamos distantes fisicamente, apesar de morarmos no mesmo Rio Vermelho, mas, nem por isso ausentes. Além de considera-la uma amiga, ela era também a mãe de amigos de infância. Uma daquelas mães que, por estar tão presentes, vira amiga dos amigos dos filhos, também. Foi uma saída de cena dramática, como, aliás, são dramáticas todas as mães. Não poderia ter sido de outro modo. Marcou em vida, e marcou na partida. Não foi vítima de nenhuma catástrofe como as que vimos estarrecidos pela TV nos últimos dias, mas de uma moléstia que por si só já é uma catástrofe. Que vem silenciosamente sem se anunciar e corroí a vítima até que ela se transforme em apenas uma sombra. Meses se passaram até o inevitável e doloroso desfecho. Enquanto isto, eu procurava os filhos para o consolo e pedir por uma boa notícia. A doença fez mais de uma vítima, enfim.

    Caia uma chuva fina no final da tarde quando fui ao Cemitério dos Estrangeiros dizer o meu adeus. Ironicamente, dias antes, eu havia passado em frente ao mesmo lugar, e ao ver os seus portões trancados, me veio a sombria curiosidade de saber como era lá por dentro, embora já soubesse como são estes lugares. E lá estava eu finalmente, debaixo de uma chuva fina e intermitente, de sapatos de couro encharcados de água e mudo de palavras. Nunca sei o que dizer em momentos como este, limito-me a dar um abraço. É o melhor de calor humano que posso oferecer. Era um cemitério tão pequeno que as duas enormes mangueiras centenárias plantadas em seu terreno eram o suficiente para cobrir com suas frondosas copas toda a sua extensão. Um tapete verde e macio de musgo cobria seus troncos e heras pendiam de seus galhos como longas cordas verdes de cipós. Parecia mais um quintal, comentou um amigo. Era um lugar triste e úmido com cara de cemitério, mas estranhamente aconchegante e ultrapassado.

    É doloroso despedir-se da mãe da gente, ainda mais quando se trata de uma mãe que soube honrar o significado da palavra. Uma, cujo modo de agir a cada sol, moldou os filhos em homens e mulheres de bem. O coração aperta, o choro fica sufocado, reprimido pelo espanto. Quem não gostaria de ter a mãe a vida inteira? Ou de lhe ter dito antes da partida aquelas palavras que só agora ao pé da sepultura lhe veem à mente? Ao morrer, as mães deveriam ir direto para o céu, carregadas por anjos, saírem flutuando como por um encanto mágico. Mas a realidade é bem mais dura, que nos faz fechar o seu esquife, relutantes em dizer adeus; carregar curvados o seu peso até a beirada do destino final barrento e ajudar o coveiro em seu serviço. É um ritual doloroso que não se passa procuração. Que descanse em paz. Ela se foi, ficam-se as lembranças, os ensinamentos ditos no comportamento correto e de forma despretensiosa e o privilégio de tê-la conhecido. Eu fico me perguntando o que estará fazendo agora onde estiver. Será que nos assiste e continua cuidando de nós? Ou apenas está descansando, descansando em paz?

Rio Vermelho, 16 de abril de 2010.

      

5 comentários:

Lord Broken Pottery disse...

Muito bonito o seu texto, bem escrito.
Grande abraço

Sarnelli disse...

Passei por aqui para dar uma olhada no seu texto e terminei por ficar em dúvida se o seu escrito transmite tristeza misturada com um toque de poesia...Afinal , o assunto seria triste , mas a sua forma de contá-lo dá um tom diferente ao fato. Parabéns Cristiano . Lamento que você esteja produzindo pouco. Faltando inspiração ?

Yumara disse...

O verdadeiro escritor faz poesia diante da alegria ou da dor.
Muito sensível.
Continue escrevendo.
Yumara

Unknown disse...

Querido Cris,
Ficamos todos muito comovidos com o seu texto. A sua descrição daquela tarde não poderia ter sido melhor. Obrigada por tanto carinho. bjs

Unknown disse...

Oi Cristiano,

Só no último final de semana li o que escreveu sobre a morte da minha Mãe. Amei! Fiquei impressionada com a qualidade da sua escrita, sua sensibilidade e sua poesia discreta. Obrigada e parabéns!Vou virar sua leitora assídua.
Bj
Margarethe