domingo, 2 de maio de 2010

Amantes numa rua deserta.

Muito de nós raramente nos damos conta de que estar em um relacionamento é como jogar desconhecendo as regras do jogo; que querendo ou não, joga-se às cegas. Não há duvidas de que vivemos, agimos e reagimos uns com os outros, mas existimos a sós. Não sabemos realmente como o outro sente ou o que sente. E o mesmo se aplica sobre ele em relação a nós. É que o nosso conhecimento do efeito de nossas atitudes e comportamentos sobre o outro acontece de forma limitada e baseia-se apenas em nossas próprias experiências e em muita intuição. Apenas presumimos o que se passa no intimo do outro, o que ele pode sentir se fizermos isto ou aquilo, o que, na maioria das vezes, o fazemos com certa dose de acertos, em parte, graças ao que chamamos de empatia. Aquele que não viveu bastante corre o risco de errar mais e sofrer mais também. Isso faz parte do duro aprendizado da vida.

Não faz muito tempo, numa solitária tarde de sábado, eu perambulava pelas ruas do Rio Vermelho. Era um daqueles dias bonitos que nos chama a sair de casa para esticar as pernas numa caminhada. Algumas ruas por aqui ficam desertas e nos dão a impressão de que somos os donos da cidade, de que os passeios nos pertencem e que não faz diferença alguma se temos ou não algum dinheiro no bolso. Sinto-me seguro como se estivesse andando em minha própria casa. Ao seguir pela Rua do Canal, cruzei com um jovem casal. Instintivamente pus meus olhos sobre a moça que era um colírio de se ver. Vestia shorts jeans justo e uma camisa de malha que revelava a beleza de suas formas e me provocava bobagens na cabeça; nos pés, um par de tênis novinho. O cabelo era bem cuidado e preso com um grande laço vermelho como há muito eu não via. A moça parecia tão fresca quanto pão quente quando sai do forno. Já o rapaz, era a autoconfiança em pessoa demonstrada pelo seu desleixo. Vestia uma dessas bermudas que revelam o rego da bunda ao dar a incomoda impressão que vão cair a qualquer instante. A camisa de malha servia como um acessório de mão. Não olhei seu rosto. O corpo musculoso tatuado em excesso chamava a atenção como rabo de pavão e indicava que o seu segundo lar era alguma academia, o que justificaria as horas que ele passava em frente ao espelho se admirando. Imaginei que tantos músculos assim deveriam chegar até o interior da cabeça roubando o lugar do cérebro.

Embora eu aparente ser muito distraído, eu sei exatamente o que se passa ao meu redor. Sou capaz de interpretar uma situação sem precisar ouvir uma única palavra, ainda que, às vezes, tudo não passe de pura imaginação. Ouvi a moça, sua voz próxima ao pranto em tom de súplica, perguntar ao rapaz: "Me diz o que é que eu tenho de fazer pra você gostar de mim?" Não ouvi resposta, até porque o rapaz preferiu fazer uma expressão de enfado no rosto obtuso. Quantas vezes ele já não deveria ter ouvido aquele drama, imaginei. Continuei no meu caminho e não ouvi mais nada, mas pensei bastante sobre assunto, já que eu não estava fazendo coisa alguma.

Imaginei que ela talvez já tivesse feito de tudo ou, quem sabe até, dado de tudo. Talvez fosse este o problema, ela estava se esforçando demais. Nós humanos, somos incrivelmente estranhos, para não dizer masoquistas, ao desejarmos muito justamente aquele que nos despreza. Quanto mais somos ignorados mais desejamos a pessoa. E, tristemente, viramos as costas para aqueles que nos tratam com dignidade. Simples assim. O mundo parece que funciona ao contrário. A moça quer o amor de um cara que passa mais tempo amando a si próprio e contra quem ela não consegue competir.

Lamentei todo aquele seu sofrimento, pobrezinha, e fiquei me perguntando se ela não estaria provando do próprio veneno. Quantos pobres coitados ela já não teria tratado da mesma forma, com tamanha indiferença? Provavelmente ali não era o fim de tudo. Era apenas a rotina. Ela terminaria submetendo-se a ele como de costume. E depois, esperaria dele algum tipo de recompensa, como sempre o fizera com o próprio pai, embora este também agisse com a mesma insensibilidade. E, em seguida, ela lhe faria cobranças mais uma vez como estava fazendo naquele instante. A desiludida e apaixonada moça não sabia como terminar aquele circulo vicioso. Ele era provavelmente o seu maior vício. Eu gostaria de dizer-lhe que ela sempre poderia seguir o seu próprio caminho andando para o lado oposto ao dele, e começar tudo de novo, que a vida serve é para isto, para que agente comece tudo de novo. Segui meu caminho.

Rio Vermelho, 1º. de maio de 2010.

6 comentários:

Sarnelli disse...

É... Cris ! Você , com o seu estilo próprio , é mesmo uma revelação. Um cara que consegue fazer do quase nada, alguma coisa !

Unknown disse...

adorei,minto sempre adoro suas postagens, só que essa tem um pouco a ver com o momento em que me encontro!!!!

beijos e continue assim deixando a realidade mas linda,leve e solta(e engraçada tmb).
sol!

Ana Martha Falzoni disse...

Você daria um ótimo psicanalista... mas pode crer que se a moçoila deixar o tal narcisista, vai encontrar outro igualzinho. Como você mesmo pontuou, ele é provavelmente o "sintoma" dela, rsrs.
Muito bom. Nada passa batido pelo seu olhar...

yasmin disse...

gostei desse artigo, é isso mesmo que acontece, principalmente qd somos imaturos...bjs

Anônimo disse...

É assim que é.
"Ele é o 'sintoma' dela".
É.
Muito bom o texto Cris. Bem como os outros, num tom tão íntimo e ao mesmo tempo tão comum.
Adorei!

Anônimo disse...

Puta que pariu!! Perdão pela expressão, mas me enxerguei em tantas daquelas vírgulas!...
Roberta