Todo fim de tarde, observo passar em frente à minha porta uma dama que mora num prédio aqui da vizinhança. A distinta senhora possui um par de bem cuidados poodles brancos. Parecem duas bolas de algodão redondas que de tão alvas deveriam ser estrelas em comercial de detergente em pó ou de amaciante. Para enfeita-los para o habitual passeio, cada um ganha um vistoso laço de fita vermelho em torno do pescoço. Sua proprietária também não faz por menos, emperiquita-se dos pés à cabeça e põe no alto do cocuruto um bonito laço que combina em cor com os dos cães. A cena toda é algo interessante de se ver. Tanto pela sua trivialidade como pela satisfação visível nos três companheiros em estarem juntos naquele momento especial do dia. Nada mais banal que uma dona sair com seus amiguinhos para um passeio num final de tarde, não fosse pelo fato de ela ter o cuidado de levar na mão um saco plástico com o qual vai recolhendo delicadamente as proezas que os seus animaizinhos vão deixando pelo trajeto. Um comportamento tão simples e louvável.
Não muito longe daqui, existe uma pracinha cujo esforço de alguns vizinhos, incluindo a minha pessoa, evitou que ela fosse transformada em estacionamento. Em rara demonstração de bom senso, a prefeitura deu-se por convencida, ajeitou a pracinha que ficara tantos anos em completo abandono e esquecimento. Depois da plástica a que foi submetida com sucesso, na qual foram incluídos equipamentos novos de recreação, a vizinhança aplaudiu de pé e se animou a frequenta-la nos fins de tarde. Levam a criançada ruidosa para brincar na areia, no balanço e no escorregador quando o sol está mais fresco. Tudo seria um daqueles "momentos Kodak" não fosse o fato de alguns cidadãos entenderem que o local é perfeito também para uso como latrina para cães, apesar de placas de aviso informando do contrario estarem bem à vista.
Eu fico me perguntando o que deu de errado. Por que é tão difícil obedecer às benditas placas. Talvez estes donos de cães sofram de dislexia ou apenas consideram que é uma caretice dar importância a placas educativas, pois, seus animais tem todo o direito de fazer o seu serviço sujo no mesmo espaço onde brincam inocentes crianças. Por outro lado, nenhum dos pais jamais esboçou qualquer reação de reprovação, o que me leva a crer que eles apenas não se importam.
É esta atitude de desinteresse e apatia que me intriga. Ninguém parece se importar muito com coisa alguma. Qualquer infração por maior ou menor que seja é tolerada. Embora este pareça ser um delito menor, é bem revelador de como é o cotidiano das coisas por aqui. Todo dia, praticam-se pequenos delitos como este a que me refiro e acostuma-se com isto como se fosse algo perfeitamente normal em nossa sociedade. Coisa do cotidiano. Ninguém percebe, ninguém se importa o bastante para fazer algo a respeito. É neste vazio, na apatia e descumprimento das leis que chega o aproveitador, geralmente um meliante que alcança a posição de político pelo voto universal e, como ninguém é dono de nada por aqui, ele se apossa da coisa pública em proveito próprio. Ninguém liga para ele, afinal, a política é mesmo o reduto de larápios e não há nada que se possa fazer a respeito. Eles chegaram lá e criaram leis e transformaram o sistema para poder protegê-los e manterem tudo exatamente como está.
Vivemos num país onde as leis são como novas gírias, tem umas que pegam e outras que não. Mesmo se não existisse a tal lei que proíba proprietários de cães permitirem que seus bichos façam suas necessidades em ruas e praças públicas, falta o bom senso dos mesmos em não recolhe-las. Curiosamente, algumas destas pessoas são aquelas mesmas que são tão conscientes quando defendem os direitos dos animais. Claro que não se esperam nenhum tipo de responsabilidade do animal, refiro-me ao cachorro, e nem mesmo consciência social, mesmo que alguns estudos científicos provem que alguns deles 'pensam' mais que muitos bípedes que usam o dedo opositor. São estes pequenos delitos do cotidiano que tornam o brasileiro permissivo. Muitos deles são aqueles mesmos cidadãos que não entendem porque o dinheiro do imposto não foi parar nos hospitais, escolas, estradas e segurança. Este é o resultado de um ciclo que começa nas pequenas coisas do cotidiano. Vai tomando vulto à medida que não encontra resistências e, quando nos damos conta, o pequeno delinquente já ocupou um assento cativo no parlamento. E pensar que todas estas mazelas tem origem no coco do cachorro largado no meio do caminho! Felizmente a coisa só não é pior porque há milhares de donos de cachorros como a dama que mora aqui perto, que leva à mão um saco plástico quando passeia com os seus animais e com o qual vai prevenindo que o pais se torne numa imensa montanha de excrementos.
Rio Vermelho, 08 de maio de 2010.
2 comentários:
meu amigo Cristiano,
admiro muito os seus escritos e leio rapidamente tão logo fico sabendo que tem algum novo. O texto é quase sempre impecável. Parabens
Bandeira
p.s.- se voce não se importar, gostaria de lhe sugerir uma pequena correção gramatical: a palavra assento (cadeira) do último texto é com "ss"; poderia ser com "c" se fosse acento gramatical. Espero ter ajudado.
É...não há muito o que acrescentar a tudo o que você disse na sua postagem . Assino em baixo, apenas lembrando que tudo é o retrato do nosso dia a dia. Tudo o que acontece desde o cocô dos cachorrinhos das madames até o comportamento das pessoas nas ruas, no trânsito que já é um caos crônico e até dentro do Ônibus , quando um jovem finge estar dormindo para não ceder um lugar para uma pessoa idosa. Tudo isto é, simplesmente, falta de educação. É o que falta à uma boa parte da população. Como você, eu também tenho uma figura do bairro que costuma sair pela manhã cedinho com o seu cãozinho pelas ruas do bairro. Não carrega o saquinho plástico e deixa que o seu amiguinho faça as suas coisas onde resolve parar ...
O pior é que é gente conhecida. Gente tida como fina e que não se dá nem ao trabalho de cumprimentar as pessoas , como é costume no nosso bairro. O cachorrinho dela pode fazer pipi e cocô onde ele próprio decidir ?
Não, Salvador não merece !
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