domingo, 25 de julho de 2010

O caso do carro roubado

Um de meus queridos amigos é um jovem octogenário, um sujeito parrudo de gosto refinado e que possui uma respeitável pança da circunferência de um barril de carvalho, cevada na cerveja em abundancia e quitutes finos e caros. Aos sábados pela manhã, ele abre o seu sobrado para receber, religiosamente, não só a minha visita para a costumeira cervejinha geladíssima como a de um tio, um senhor de mais de 95 anos, o Sr. FF. São momentos agradáveis estes e que eu aguardo com muito prazer. E é admirável de ver como nesta família, chega-se com facilidade aos cem anos com boa saúde e cabeça. Por conta de ter vivido tanto tempo e de amealhar tantas experiências, vez por outra o velho Sr. FF. nos brinda com uma estória interessante. Recentemente ouvi uma delas tomando uma cervejinha gelada e comendo amendoins cozidos, e por acha-la tão curiosa, não resisti a reconta-la aqui.

Nos idos dos anos 80, o Sr. FF. resolveu por bem aposentar seu velho Chevrolet e comprar um carro novinho em folha para o seu uso próprio e de sua amada esposa. O Sr. FF. foi, então, até um parente que era um capitão de uma fabrica de carros e este lhe vendeu um modelo de luxo quase que ao preço de custo. São raros os casos em que pessoas têm a grata satisfação de possuir como parente próximo um chefão da indústria automobilística, ainda mais quando este é tão generoso a ponto de lhes vender um de seus melhores modelos a preço de banana. O Sr. FF. levou, então, o veículo novinho para casa e o guardou em sua garagem no fundo do quintal. Foi um caso de amor à primeira vista, nunca tivera um automóvel tão sofisticado, elegante e macio de dirigir. Ele era visto com frequência pelas redondezas, todo final de tarde, dirigindo-o sorridente como se estivesse passeando com uma moça bonita. Estando muito satisfeito com o seu novo automóvel, certo dia ele o usou para conduzi-lo ate um casamento. Ao chegar ao local, teve o cuidado de estaciona-lo logo abaixo de um poste, imaginado que a luz seria o suficiente para afugentar o seu bem precioso da cobiça de puxadores. Ao sair do automóvel, quase como por um passe de mágica, um desses guardadores de carro surgiu à sua frente soprando o seu apito e informando-lhe que não se preocupasse pois estaria de olho no veículo. Mas que guardador que nada, o Sr. FF. ao voltar da igreja onde se dera o casório, verificou que seu automóvel novinho em folha sumira. Evaporara-se! Não obstante, o guardador de pronto surgiu do nada para receber a remuneração pelo seu serviço. 'Você guardou meu carro onde, seu filho de uma égua? Ele sumiu!' Bradou o Sr. FF. com os dentes cerrados de raiva.

Como geralmente se faz neste tipo de situação, o Sr. FF. se dirigiu a uma delegacia onde prestou queixa do roubo de seu veículo, e não tendo mais nenhum negócio a fazer ali, voltou para a sua casa desalentado, para aguardar pelos acontecimentos. Passou-se um dia, dois, uma semana e nenhuma notícia de seu carro roubado. As semanas de angustiosa espera se tornaram em meses e no primeiro ano de aniversário do desaparecimento do veículo, o Sr. FF. já tinha há muito dado o caso como perdido, ate adquirira outro automóvel com o dinheiro do seguro, desta vez, escolheu um modelo mais modesto e menos chamativo. Vivemos numa sociedade onde quem tem coisas boas corre o risco de perdê-las para os larápios sem que estes jamais saibam o que é o sol nascer quadrado. O Sr. FF. trabalhou duro para comprar o sonhado automóvel de luxo e, embora tenha pago barato por ele, graças à generosidade de um parente, ainda assim aquele propriedade era fruto de seu esforço.

Mas como nesta vida nada é certo e definitivo e muitas vezes somos surpreendidos pelo improvável, cinco anos se passaram até que certo dia o Sr. FF. recebe um sinistro telefonema. 'É o Sr. FF. que está falando?' Perguntou a voz do outro lado da linha. 'O senhor teve um veiculo roubado assim, assim?' A princípio, o velho nem lembrava mais da tal estória, que acontecimentos aborrecidos como aquele é bom apagá-los da memória. 'Tive sim, mas isto foi há muitos anos.' Respondeu o velho assustado com o telefonema. 'Encontramos o seu carro, ele esta aqui na porta da delegacia, pode vir buscá-lo.'

Não é que cinco anos depois do carro ter sido roubado, ele foi encontrado numa cidadezinha próxima? Curioso, o velho lançou-se na empreitada de ir lá buscá-lo, ou melhor, dar fim no que havia restado dele depois de todos aqueles anos. Ao chegar até o local informado onde encontraria o seu carro, numa garagem de propriedade da polícia, qual não foi o seu espanto ao por os olhos no veículo que, apesar de estar todo empoeirado, encontrava-se igualzinho do jeito como o vira da ultima vez! Mas sua surpresa não parava por ai, ao verificar o velocímetro, pouco mais que oitenta quilômetros haviam sido rodados durante todo aquele tempo. Mas tem gente que tem muita sorte, mesmo!

Rio Vermelho, 24 de julho de 2010.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gente, o que foi isso que acabei de ler aqui???
Fantástico!!! =D
Sr FF, quando o sr nasceu a sorte já o aguardava aqui do lado de fora, hein?!!
Abs, grande Cristiano!
Ago Adriana.