Sou fã de mulheres que transgridem normas sociais, interpretando ao pé da letra e sem rodeios a tão falada igualdade entre os sexos e, ainda, a colocando em prática dia-a-dia, desprezando os papeis convencionais que a sociedade lhes impingiu. São estas mulheres que transformam o mundo e abrem o caminho para as menos aguerridas. A igualdade entre os sexos deveria, era sim, se extrapolar para além dos direitos trabalhistas e do mercado de trabalho, para ser de verdade mesmo.
Certa vez, num passado recente, uma moça me abordou no balcão de um bar e se ofereceu para me pagar uma cerveja. Aceitei desconfiado, que nunca ninguém jamais se ofereceu para me pagar coisa alguma até então e, quando geralmente uma mulher bonita me aborda, ou é para pedir a direção de uma rua ou para me avisar que o cadarço do meu tênis está solto. Mas, para minha alegria, depois de um papo agradável, ela pediu o meu numero de telefone dizendo que gostaria de me convidar para dar um passeio de carro qualquer dia. Vocês devem estar pensando que eu entrei numa fria, mas eu tive a mesma dúvida. Antes de lhe passar o meu número, entretanto, quis me certificar se ela era uma mulher nascida de berço, sabe. Há muita pirataria transitando por aí, como sabem, e a menos que os chineses tenham feito um cópia perfeita, aquela era uma mulher tão autentica como um bom uísque escocês, que não causa dor de cabeça e nem arrependimento na manhã seguinte!
Eu lhes falarei sobre Corina, uma bela e voluntariosa e pálida jovem de olhar aflito e expressão sisuda que encontrei numa agradável manhã na São Salvador, no Flamengo, embora residisse em Laranjeiras, não muito distante dali. Sentei-me ao seu lado num banco de alvenaria, para ouvir a costumeira sessão de chorinho que acontece na praça aos domingos... Corina sentia-se como se fosse a única mulher no mundo quando estava em companhia de JR porque realmente ele sabia como faze-la sentir-se uma pessoa especial. Ele lhe enchia de mimos, carinhos e elogios, levava-a para jantar em lugares da moda, chamava-a de modos gentis e carinhosos como minha gatinha, minha linda e coisas desse gênero que embevecem qualquer alma feminina, enfim, não tinha como resistir a seus encantos. Depois que conheceu JR, o mundo se tornou um lugar incrivelmente maravilhoso, cada folha, cada galho, cada criaturinha viva parecia um pequeno milagre, tudo à sua volta estava subitamente cheio de significados ocultos que ela jamais reconhecera antes. A vida parecia perfeita para Corina que jurava para si mesma ter, finalmente, encontrado o homem de sua vida. Os primeiros meses de namoro foram como num sonho e, embora eles não se encontrassem com tanta frequência, porque JR era um sujeito muito ocupado, combinaram, então, que as quintas-feiras, chovesse ou fizesse sol, teriam a metade do dia só para eles, graças à facilidade de ambos trabalharem para si próprios. E assim, a vida transcorria feliz feito um rio deslizando lacidamente entre campos verdes e floridos.
Entretanto, não demorou muito para Corina perceber que algo de estranho havia com o seu namorado, quanto às suas obrigações masculinas. Seu desempenho oscilava a cada encontro entre “maravilhoso” e “isso pode acontecer a qualquer um”! Havia dias que ele era o todo poderoso, uma verdadeira rocha incansável que por vezes a levava a pedir arrego. Outras vezes, no entanto, ele cansava antes mesmo de começar, mal aplacando a gula da apaixonada amada. Corina foi tomada de crescente preocupação e, embora tentasse conversar com ele sobre o assunto, com a devida cautela evitando melindrá-lo, ele se esgueirava da conversa. Ela resolveu, então, não mais incomodá-lo, pelo menos por algum tempo. Com tudo, uma crescente inquietação passou a lhe atormentar intimamente, que ela não se sentia mais tão saciada como antes. Nem tudo são rosas nesta vida, concluiu, desanimada.
Certa tarde de uma quinta-feira chuvosa em que JR estava surpreendentemente inspirado, depois de uma sessão lasciva e extenuante no final da qual Corina tombou-o no leito, ela resolveu, subitamente, que tinha de fazer uma faxina no apartamento, aproveitando que ele estava prostrado, depois de ter caído no sono dos justos. Mexe aqui, mexe dali, até que, acidentalmente, ela esbarrou com a carteira do “bunito”, que estava guardada no interior de sua valise, em meio a toda aquela despropositada arrumação doméstica. Depois de passar um pente fino no artigo para livrar-lhe do pó, descobriu uma coisinha azul bonitinha que parecia um comprimido, mais precisamente um daqueles que levanta defunto e que tem sido o motivo de alegria de quem já se considerava há tempos fora de combate. Mas como podia um varão daqueles, que mal chegara à casa dos trinta, já recorrer ao socorro da ciência farmacêutica, ruminou Corina. Deveria haver alguma explicação para aquele mistério, mas, pelo menos o milagre que ele acabara de praticar já estava esclarecido, que aquela sua duradoura disposição era coisa fabricada. Corina ficou com aquela aflição no coração, será que seu amado tinha uma moléstia? Entretanto, a natureza feminina desconfiada lhe insinuava ao ouvido a suspeita de que aquela canseira que volta e meia lhe assombrava tinha outra explicação. Depois daquela reveladora tarde, Corina ficou esperta e atenta feito um perdigueiro à espreita de alguma pista que justificasse a sua inquietação que não fazia ideia que motivação que era, mas não daria trégua enquanto não a descobrisse. E foi o que aconteceu, não demorou muito. Seu mundinho veio abaixo quando ela descobriu, irada, que ela era a foda das quinta e, que a de quarta morava em Botafogo e a de sexta no Grajaú. Sabiamente, ela não quis ir mais adiante para descobrir o que se passava nos outros dias da semana pois, já lhe parecia óbvio. Por fim, estava explicado o Viagra e os cansaços, afinal o homem não era de ferro e nem ele podia tomar o comprimidinho milagroso todo santo dia. Ela caíra nas garras de um verdadeiro Don Juan! O “bunito” era muito habilidoso, usava de ardileza para manter oculto a sua vida clandestina, por exemplo, para não dar mancada chamando uma amante pelo nome de outra, ele tinha a artimanha de nunca trata-las pelos próprios nomes, eram todas gatinhas, fofinhas e princesas. Olha aí, companheiros, uma dica importante!
Aquela terrível situação demonstrou a Corina que neste mundo ninguém pertence a ninguém. Embora ela agora soubesse que não era assim mais a única mulher no mundo, não quis se desfazer de seu Don Juan assim tão facilmente, partiu, então, para por as cartas na mesa. Confrontado, admitiu não ser homem de uma mulher só, precisava ter delas em fartura porque seu amor era infinito e em seu coração cabia muito mais que uma, mas por cada uma delas nutria o mesmo amor em igual proporção. Mas é que ela gostava tanto dele como se ele fosse um vício difícil de se livrar. Seria mais fácil conviver com sua poligamia do que simplesmente extrai-lo de sua vida feito um dente estragado, que ela não queria passar pelo sofrimento. Corina, magoada, começou a refletir sobre aquele modo de vida. Se ele podia ter um harém, nada a impedia de ela ter o seu também, de homens. A partir de então, decidiu, seria uma mulher libertaria, faria sua revolução sexual. Conquistaria homens e os assustaria com a sua franqueza ao lhes informar que não era mulher de um homem só, porém, amaria cada um como se fosse o único, estava escrito. Praticaria a sua liberdade de amar quem quisesse e multiplicaria este seu amor quantas vezes assim o desejasse, com transparência, sem segredos, nem mentiras e subterfúgios. Doravante, JR seria a sua foda das quintas-feiras, tendo ainda vantagem sobre ele, porque jamais estaria cansada e nem precisaria de pílula azul alguma para ter e dar prazer a quem quer que fosse.
Rio Vermelho, 10 de maio de 2011.
10 comentários:
Cristiano, claro que li o seu conto e apreciei aquele jeitinho de contar as coisas mas,ao mesmo tempo,fiquei com pena de você,que entrou na história só para escrevê-la! Não sobrou nada para você? Ou você omitiu a sua parte?
Abraço.
Bartolo
"Já e adorei! ;)))"
Nola Senna
Cris,
Muito boa estória e com um fim surpreendente. Seu humor, sempre elegante. Por favor, passe o meu telefone passa esta sua amiga... (risos)
Fernando Barros
Li e adorei.
Cristina Xavier
Muito boa crônica; gostei demais!
Mais uma vez mando os meus parabéns pelo seu talento! O humor, desta vez, está bem refinado!
Muito boa crônica, mesmo!!!
No final do terceiro parágrafo, penso que há uma pequena correção a se fazer. Quando 'cê escreveu "... E assim, a vida transcorria feliz feito um rio deslizando lacidamente entre campos verdes e floridos." acho que 'cê quis dizer: "... E assim, a vida transcorria feliz feito um rio deslizando placidamente (calmamente, tranquilamente, silenciosamente) entre campos verdes e floridos.", não é?
Se eu estiver enganado, por favor, me desculpe e me informe o significado da palavra, o que desde já agradeço.
Mais uma vez parabéns!
Um grande abraço!
Rogério.
seu figura.....
Adorei!
bjosss
Silvia
Sumi...mas to de volta....li tua crônica de laranjeiras....achei meio parecida com uma estória que te contei....ehehehehhhe. Adorei!Tava no sul e a semana foi super corrida..... ;) Você tá bem? Como tá a vida por aí???bjosssss. ps: gostei do finalda estória!!!!ehehehhehe.
Alias, "Corina"
"Li sim Cris... E apreciei o seu espírito libertário em seu melhor estilo!"
Lucíola Macedo
Eu adoro sua franqueza!!
Sérgio Guerra
Grande mestre das palavras. Belo texto, parabéns!
Burity
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