segunda-feira, 4 de julho de 2011

Fogueira e animação na Chapada.

No Nordeste, o São João, como nos referimos aos festejos juninos, é a mais importante de todas as comemorações, superando de longe o tradicional Natal. É um longo feriado em que as pessoas aproveitam para viajar para o interior, transformando as capitais em cidades fantasmas. Fui para a Chapada Diamantina passar o São João em Lençóis, onde lá estive pela ultima vez há quatro anos, num verão quente como o inferno. Aluguei, então, uma charmosa casinha ao pé de um morro e dei início à minha aventura literária escrevendo estórias e crônicas para este blog. Desta vez, no entanto, fui me hospedar na casa de meu irmão caçula, Pedro, no Alto do Tomba, o bairro mais alto da cidade e que acontece de também abrigar o cemitério cujos portões estão sempre abertos, embora raramente acolha novos moradores. Cheguei numa tarde de sol brilhante depois de ter deixado para trás nuvens carregadas de chuva que ameaçavam o feriado do soteropolitano, mas a temperatura estava tão agradável quanto um delicioso copo de cerveja servido bem gelado.

Meu sobrinho de 15 anos foi me aguardar na rodoviária, cujo prédio não passa de um pequeno quiosque com um balcão de passagens e outro que vende bebidas e lanches para a viagem e uma escadaria onde os viajantes aguardam pacientemente sentados nos degraus até a chegada do único ônibus que serve à cidade. O menino foi me guiar até a nova casa de meu irmão que eu não sabia para que lado ficava, e como Lençóis é uma cidade minúscula, costuma-se ir à pé aos lugares, o que, em parte, já faz parte da experiência ecológica e saudável de se ir à Chapada. Para quem nunca esteve em Lençóis, descrevo-a como uma cidade histórica de rareado número de habitantes, com ruelas apertadas e pavimentadas com pedras de cantaria e de casas geminadas construídas nos tempos do ciclo do diamante que deu origem à cidade que fica incrustrada há quase 200 anos num esplendido vale, cercada de exuberantes florestas que nos convidam a explorá-las em longas caminhadas e abundante manancial de água que deleita seus visitantes e moradores com deliciosos e revigorantes banhos de cachoeira ou em caldeirões cavados pela natureza na rocha.

Minha sacola estava meio pesada, em parte por causa dos presentes que eu levava em seu interior, sim, sempre eles, aonde quer que eu vá, estou sempre carregando presentes como se fosse eu um Papai Noel fora de época. O sobrinho resolveu pegar alguns atalhos para encurtar caminho até o nosso destino, o que já foi para mim uma aventura e, no meio da jornada, desejei voltar para a rodoviária para pegar o ônibus seguinte de volta para casa! Isto porque o tal atalho mais parecia uma maratona de resistência física. Começamos passando por vielas sinistras, subimos escadarias de pedras irregulares intermináveis, pegamos atalhos pelo meio do mato e atravessando barrancos entre córregos, subindo, sempre subidas íngremes e sem fim que me faziam bufar de exaustão carregando no lombo aquela sacola pesada, mas, ao contrário de isto ser um sofrimento, até me deu um certo alívio pois, se eu tinha alguma suspeita de que eu talvez padecesse de uma deficiência cardíaca, aquela dúvida se dissipou naquele momento. Meu coração nunca esteve tão sadio, batia forte querendo sair pela boca que tive de manter fechada durante todo o trajeto.

Pelo caminho até em casa, percebi como o São João é tão levado a sério por estas bandas, ao ver as ruas enfeitadas com bandeirolas coloridas e, em frente de cada residência, havia uma fogueira já montada à espera de ser queimada logo mais à noite. Cada qual era feita com toras de árvores serradas novinhas em folha, o que me fez dar uma olhada suspeita na floresta em volta da cidade, para me certificar que ainda sobraram árvores para o São João dos anos seguintes. Algumas senhoras varriam a frente de casa ou colocavam o último galho que faltava para completar a sua fogueira. Chegando à casa de Pedrinho, desmaiei na cama e só despertei ao anoitecer quando ele me acordou para informar que fomos convidados para uma festa junina na casa de um amigo.

E na hora marcada, lá eu estava pronto para a farra, revigorado pela soneca e pelo ar puro da Chapada. Fazia uma noite geladamente agradável e, por isso, joguei por cima um agasalho e fomos os três, eu, Pedrinho e a namorada, para a casa do senhor Taurino, nosso ilustre anfitrião. – Este homem faz uma proeza danada, com o seu único braço que possue, desenha paisagens da Chapada com areias coloridas dentro de garrafinhas que são vendidas nas lojas de suvenires em Lençóis, umas relíquias. – Pelo meio do caminho, ouvimos músicas juninas tocando por todos os lados, pulamos muitas fogueiras que ardiam em homenagem a São João, assistimos as faíscas coloridas dos fogos queimados por crianças e marmanjos alegremente, ouvimos estouros de bombas, testemunhamos um casamento na roça com a noiva chegando montada num jegue ornado com flores e crianças e adultos tentando subir no pau de sebo onde um monte de brindes e guloseimas os aguardavam lá no topo, mais típico que isso, só em documentário da Globo numa enfadonha sexta feira à noite.

Pegamos uma estradinha de barro que começava ao lado do antigo mercado e fomos caminhando deixando a cidade para traz e entrando no breu da noite tendo só o brilho das estrelas e as sombras das grandes árvores como nossos guias. A casa de Taurino ficava escondida por trás de uma enorme mangueira numa curva e não foi difícil avistá-la por causa de uma grande fogueira que queimava em sua porta. Era uma casa simples e de acolhedor calor humano, e o nosso anfitrião é conhecido por seu espirito festeiro e pela fartura de sua mesa. Logo na chegada, a sua patroa veio sorridente ao nosso encontro e pôs na minha mão um copo de quentão, que lá por aquelas bandas, é feito de cachaça, gengibre, cravo da índia e outros ingredientes, e me apresentou a uma farta mesa onde bolos de milho, aipim, carimã e tapioca, queijadas, pamonhas, arroz doce, beijus, amendoim cozido, milho cozido e assado quentinhos, mugunzá, mingaus, licores, doces, laranjas descascadas e cortadas em banda para serem chupadas e talhas de melancias estavam à nossa espera para serem devorados com apetite. No quintal da casa, para onde fui atraído pelo som animado de uma sanfona, triangulo, tambor e pandeiro tocando o autentico estilo pé-de-serra, o forró corria solto. Uma moça moreninha ali da região usando um vestidinho de chita florido e tranças no cabelo lançou-me um olhar tímido e sonso, chamei-a para dançar um forró agarradinho, de rosto coladinho no melhor estilo mela cueca.

Depois de duas danças, fui recobrar o fôlego – e a compostura – bebendo uma cervejinha gelada e me aproximando de uma roda onde só havia homens contando anedotas cabeludas que eu enriqueci com duas do meu repertório. Um dos homens era um conhecido garimpeiro das antigas e meu amigo, o João Valente, um velho forte e dos modos rudes, mas uma pessoa da melhor qualidade. Havia outro, um sujeito que eu conhecia apenas de encontrar e conversar em saraus culturais em Salvador, mas que eu sabia que era de uma família tradicional da região, um sujeito meio besta cheio de credenciais acadêmicas e da fala rebuscada e que era professor de história na universidade. Ele veio me cumprimentar calorosamente e começou a falar difícil sobre alguma coisa enfadonha que eu não dei importância, pois minha atenção estava voltada para uma assadeira contendo um leitão à pururuca que estava sendo posta à mesa juntamente com uma travessa de farofa de manteiga de garrafa com miúdos fritos na banha e outra de feijão tropeiro.

— E o que tem feito? – perguntei com água na boca sem tirar os olhos da mesa.

— Candidatei-me ao legislativo e fui eleito vereador de Lençóis. – respondeu orgulhoso.

— E a docência? – quis também falar difícil.

— Perdi a minha cátedra. – respondeu com expressão triste.

— Eu lamento muito. – disse depois de fazer uma pausa com um olhar sério sabendo o quando ele se orgulhava de ser professor universitário.

João Valente, que assuntava toda aquela estranha conversa com olhar desconfiado, aproximou-se do homem e deu-lhe uns tapinhas no ombro e falando por detrás dos seus grossos bigodes brancos e boca meio desdentada, disse solidário:

— Olhe... isto que aconteceu com a sua cátedra não foi culpa sua, viu. Você é homem e agente sabe disso. Você é macho! E foi por uma boa causa...

Aproveitei a deixa e fui com apetite ao leitão à pururuca.

Salvador, 3 de julho de 2011.

4 comentários:

Anônimo disse...

Adorei Cris, bjs
Monica Brunini

Sarnelli disse...

Cristiano , valeu ! Muito interessante o seu São João! Do leitãozinho à pururuca, deixou alguma coisa para os outros ? Pelo jeito, você teve um São João inesquecível. Ainda bem, porque , pelo menos , sobrou a historinha para nós...

Anônimo disse...

Cris,
deu até pra sentir o calorzinho da fogueira!
Bjs, Amaranta

Anônimo disse...

Cris, eu fico imaginando a cena de você pulando fogueira e dançando de rosto coladinho... você é uma comédia. Adoro ler seus "causus"
Helen Winspear