Era feia como a necessidade. Mas
ninguém jamais teve a ousadia de dizer-lhe pessoalmente, ou anonimamente por
carta. E nem mesmo ela dispunha daquela qualidade invejável que as pessoas de
bom senso costumam chamar de autocrítica, não pelo menos em quantidade o
suficiente para ela se dar conta de sua inominável feiura. Entretanto, ela tinha
coragem de sair de casa à luz do dia, e ia para o emprego num salão de beleza.
Elindinalva não era nem um tiquinho bonita e nem mesmo o seu
ridículo nome ajudava a melhorar as coisas, parecia também uma incoerência que uma
pessoa tão desprovida de tais atributos físicos trabalhasse num lugar onde era
um templo de veneração à beleza física. Mas tal concessão se explicava por sua inequívoca
habilidade: ela tingia cabelos como ninguém. Não havia outra pessoa que
soubesse tingi-los igual a ela e ainda assim fazê-los parecer tão naturais, não
era por menos que ela era considerada o Michelangelo das tinturas, um verdadeiro
gênio no assunto. A morena que entrasse pela porta do salão e sentasse em sua
cadeira era transformada numa loura tão autêntica quanto a verdadeira, sendo
uma façanha fazer uma distinção entre a de verdade e a sua criação.
Mas por causa de seu infortúnio, Elindinalva nunca teve um único
namorado, jamais foi beijada, nunca houve um homem, nem mesmo um desses que proclamam
com ares de superioridade que beleza não é tudo, capaz de cortejá-la. No caso
de Elindinalva, nem mesmo o mais benevolente dos corações masculinos era capaz
de um ato de heroísmo. Ela era feia mesmo e ponto final. Sendo assim, o único
amor que ela conhecia era o de pai e de mãe, e até estes se perguntavam como
puderam ter trazido ao mundo uma criatura tão feia. Diante desses fatos, não
era surpresa alguma que ao completar trinta anos Elindinalva ainda fosse moça.
No entanto, contrariamente aos fatos, Elindinalva era uma
mulher alegre e cheia de si, bem humorada e capaz de fazer piada de sua condição.
O que lhe faltava de atributos físicos sobrava-lhe em simpatia e modos
cativantes. Ela era capaz de encantar as pessoas e fazê-las gostar dela, em
termo de amizade, para ser específico.
Certo dia, um fato inesperado transformou a vida de
Elindinalva para sempre. Ao atravessar a rua indo para o trabalho, teve o
infortúnio de cruzar em seu caminho uma dessas dondocas cuja vida não poderia ser
menos vazia se não houvesse os celulares e uma conversa frívola que lhe ocupasse
o tempo enquanto dirigisse. O carro ia a alta velocidade e distraída não
percebeu o sinal vermelho e nem a mulher que atravessava solitária à sua frente.
Do encontrão, resultou em dor e sofrimento para a pobre Elindinalva que foi
arremessada longe enquanto a outra, sem querer interromper o seu bate-papo e se
atrasar para o horário no salão, seguiu em frente sem se dar ao trabalho de olhar
para trás.
Mas por
um milagre, Elindinalva sobreviveu ao trágico acidente, apesar dos machucados.
Além das costumeiras fraturas e pele lacerada, seu rosto foi desfigurado, pelo
mesmo foi isto que concluiu o paramédico ao deparar-se com aquela feiura,
aquilo só podia ter sido causado pelo acidente. Para concertar aquele estrago,
foi chamado um brilhante e vaidoso cirurgião plástico, ele mesmo tão belo como
uma criação divina, que resolveu exibir-se recriando o rosto de Elindinalva à
perfeição.
Quando
ao cabo de uns dias tiraram-lhe as ataduras e colocam à sua frente um espelho,
Elindinalva deu um grito de pavor ao deparar-se com aquela criatura cujas feições
eram iguais à da boneca Barbie, ela não se reconhecia, estava totalmente
desfigurada, quem era aquela coisa horrorosa no espelho? Depois de chorar
convulsivamente e deixar-se sedar pelas enfermeiras condoídas com o seu
sofrimento, ela dormiu feito um anjo. Quando despertou daquele sono induzido, descobriu
que não fora tudo um pesadelo como imaginara. Mandou vir o exímio cirurgião e
exigiu de volta o seu antigo rosto.
O habilidoso
cirurgião aceitou o desafio e depois de uma demorada e delicada operação, protagonizou
o milagre de devolver Elindinalva à sua feiura habitual. Entretanto, o tirar as
ataduras, dias depois, o médico, acostumado a ter sob a mira de seu bisturi as
mais belas e vaidosas mulheres, impressionou-se com a feiura natural de
Elindinalva. Considerou-a algo sublime, mas que aos olhos do leigo e do
acostumado ao gosto popular era invisível, uma beleza extraordinária, uma
verdadeira Vênus da modernidade ao contrário. Elindinalva foi-se embora para
casa satisfeita, levando consigo a sua feiura e deixando o cirurgião plástico com
o seu rosto guardado na memória e sinceramente encantado.
Semanas
depois, já completamente curada e de volta ao seu posto no salão de beleza, não
sem tempo, pois a sua presença se fazia mister, uma vez que o prazo de validade
de muitas louras, ruivas e acajus havia se expirado transformando a vida
daquelas madames numa polvorosa crise de identidade. Em meio às tinturas e
apliques, Elindinalva teve o seu serviço interrompido para receber um lindo buquê
de rosas vermelhas com um convite do apaixonado cirurgião para um encontro.
Rio
Vermelho, 10 de setembro de 2012.
2 comentários:
Gostei muito. Parabéns!
Paulo Juca
Cris:
Amei a história,meu dia a dia transito entre a mais feia das criaturas para mim que é o câncer nascido de contorções espirituais ,raivas ressentimentos,magoas,desgostos e falta de amor a si própria a pessoas doces e espiritualizadas á aquelas fúteis evasivas que vão do vazio para transitar ao nada....de uma imensidão de superficialidade que ecoa no vento sem resposta......A forma que escreve é belissima de uma sensibilidade e graça sem igual.
bjo e bom dia.
Sandra Gordilho
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