domingo, 2 de setembro de 2012

NÃO FOI AINDA A SUA VEZ OU A ESTÓRIA DO MÉDICO QUE FICOU ALIVIADO.


Ao apalpar-se certa manhã durante o banho, sentiu um caroço. Podia ser apenas um fibroma sem importância, contemporizou; ou coisa bem pior... Teve um calafrio. Médico experiente que sempre foi, um caroço naquela região do corpo não devia ser negligenciado. Ficou angustiado ruminando aquela insensatez ao longo do dia e resolveu procurar a ajuda de um especialista imediatamente.

O seu colega só cobrou metade da consulta, ainda assim o outro achou caro, fazer o quê. Depois de algumas apalpadelas, o caríssimo especialista fez uma expressão grave, pediu um exame de imagem igualmente caro como a sua consulta, coisa de última geração. Aconselhou o paciente a não dirigir automóvel, operar máquinas perigosas, não praticar esportes e abster-se de luxúria até terem o resultado do exame.

O médico largou o carro no estacionamento e voltou de taxi para casa, no caminho, teve vontade de espirrar e, desesperado, temeu por consequências trágicas, não lembrava de o especialista ter restrito esternutações. Chegou ao lar sorumbático, todo borocoxô. Pensou com sigo mesmo, “tô fudido”.

De sua casa, marcou o tal exame. Só daqui a três dias, lhe disseram, não dava para ser nem em um ou em dois dias antes, e o pagamento era feito em espécie e sem conversa mole, que médico pagava o mesmo que os outros pacientes, ninguém tinha privilégios naquele lugar, fazer o quê.

Aquela semana foi a mais longa de toda sua vida, três dias pareceram trinta. Preocupado, o médico não foi trabalhar. Precisava organizar a sua vida antes que fosse tarde demais. Fez as contas de tudo quanto devia e separou o dinheiro, passou algumas procurações para a esposa e escreveu um sucinto testamento de próprio punho. E tanto ainda por fazer, lamentou-se. Sentiu-se impotente e injustiçado ante a grave moléstia; logo ele, um brilhante médico, considerado por todos um gênio, um médico desses de ressuscitar defunto de três dias. Como a sua vida lhe pareceu frágil, o homem que se achava um Deus agora se sentia como um reles mortal. Percebeu como era difícil e doloroso ser o paciente, agora que o seu destino estava nas mãos de outro jaleco branco, um homem insensível e de olhar duro.

Naqueles três longos dias que se sucederam, e que lhe pareceram uma eternidade, lembrou que já era tarde demais para ir ao Nepal como sempre sonhara. E nem nunca lera além do prefácio de “A Montanha Mágica” ou escrevera o seu próprio livro policial usando aquela ideia genial que certo dia teve. E a sua longa lista de mulheres com quem sonhava transar algum dia, estava cancelada. Suspirou. Lamentou pelos poemas de Drummond e Pessoa que nunca leu para a amada esposa, mãe de seus filhos pequenos, os mesmos filhos que não veria crescer, embora ele raramente os visse, pois ele vivia para o trabalho, para dar a sua família uma vida confortável sem que lhe faltasse nada.

Na véspera do exame, ele foi ver a amante e despediu-se com uma tarde de pecados inconfessáveis, deu-lhe de presente uma linda e cara joia que ela poderia vender, numa hora de aperto. Na manhã seguinte, no dia fatídico, amou a esposa antes do café da manhã como há muito não o fazia, fazendo-a até apaixonar-se de novo pelo marido e ponderar livrar-se do jovem amante. Beijou os pequeninos e foi enfrentar a ressonância magnética.

Ele que prescreveu tantas vezes a seus pacientes aquele exame, nunca imaginou como o mesmo fosse tão incômodo. Foi entupido de contraste pelas atendentes e esperou tantas horas quanto foi preciso até ser metido numa fina túnica e daí seguiu para dentro de um tubo que temeu ser o prelúdio de sua tumba. Enquanto era mantido imóvel dentro daquela terrível cápsula que examinava cada uma de suas células, apelou para a salvação divina ensaiando um mal engendrado “Pai Nosso que estás no céu”, mas terminava sempre se enrolando em algum lugar entre o “vem a nós o vosso reino” e o “pão nosso de cada dia”. Terminou por rezar o Hino do Bahia, cuja lembrança era mais vívida em sua memória por ser um devoto fervoroso e, com o qual esperava obter, de qualquer jeito, a mesma graça divina.

Quando o exame ficou pronto, o doutor correu levando-o para o seu caríssimo especialista cujo documento leu com uma expressão de constipação crônica. E sem dizer mais nada, o especialista colocou 16 gotas de uma mágica porção em meio copo de água que serviu ao seu paciente que o bebeu feito um cordeirinho, dando por encerrada a consulta. O famoso médico deixou o consultório com um sorriso de felicidade e, caminhando lépido em direção ao automóvel, já no pátio do estacionamento, soltou um sonoro e vigoroso peido que o fez sentir-se aliviado. Foi o efeito da porção mágica, tudo não passou de gases. Estava curado!

Rio Vermelho, 2 de setembro de 2012.



6 comentários:

Maria Luiza R.Camara disse...

Adorei espero que o medico trate melhor seus pacientes depois disso!!kkkBeijos

Anônimo disse...
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Anônimo disse...

Cristiano. Li e gostei mas ficou muito difícil colocar uma comentário não consegui. Seria este :" Tudo isso aconteceu por causa de um simples punzinho ? O que os gazes não fazem ! Outro dia , eu pensava que ia ter um enfarte. Não enfartei .Estava só em casa . Sentia dores no peito e nas costas. Resolvi o problema engolindo dois comidos anti-gazes. Agora, com isso, não quero dizer que a cada dorzinha no peito ou nas costas a turma saia mando ati-gazes... Antes demais nada, é aconselhavel esperimentar ! rsrseses "
Sarnelli

Anônimo disse...

Cris:
Amei!
Me acabei de dar risada.
Assisti Intocáveis esse fim de semana e a FIlha do Pai,gostei muito dos dois mas o primeiro é imbativel...
Bjo bom dia!
Sandra.

Anônimo disse...

Texto divertidíssimo. Do que os gases são capazes! Muitas vezes fazemos o bem aos outros sem querer.
Parabéns.
Fátima Santiago

Maria Karolina, Austria disse...

Karolina de Viena, Austria:
Sou médica e gostei muito da stória.
para mim além dos gases capazes eu amei a tranquilidade e normalidade com qual o médico tem uma mulher e uma amante e com qual a esposa tem o medico e uma amante.
Acho que talvez aqui na Austria somos conservadores demais...?