Ao apalpar-se certa manhã
durante o banho, sentiu um caroço. Podia ser apenas um fibroma sem importância,
contemporizou; ou coisa bem pior... Teve um calafrio. Médico experiente que sempre
foi, um caroço naquela região do corpo não devia ser negligenciado. Ficou angustiado
ruminando aquela insensatez ao longo do dia e resolveu procurar a ajuda de um
especialista imediatamente.
O seu
colega só cobrou metade da consulta, ainda assim o outro achou caro, fazer o
quê. Depois de algumas apalpadelas, o caríssimo especialista fez uma expressão
grave, pediu um exame de imagem igualmente caro como a sua consulta, coisa de
última geração. Aconselhou o paciente a não dirigir automóvel, operar máquinas
perigosas, não praticar esportes e abster-se de luxúria até terem o resultado
do exame.
O
médico largou o carro no estacionamento e voltou de taxi para casa, no caminho,
teve vontade de espirrar e, desesperado, temeu por consequências trágicas, não lembrava
de o especialista ter restrito esternutações. Chegou ao lar sorumbático, todo
borocoxô. Pensou com sigo mesmo, “tô fudido”.
De sua
casa, marcou o tal exame. Só daqui a três dias, lhe disseram, não dava para ser
nem em um ou em dois dias antes, e o pagamento era feito em espécie e sem
conversa mole, que médico pagava o mesmo que os outros pacientes, ninguém tinha
privilégios naquele lugar, fazer o quê.
Aquela
semana foi a mais longa de toda sua vida, três dias pareceram trinta.
Preocupado, o médico não foi trabalhar. Precisava organizar a sua vida antes
que fosse tarde demais. Fez as contas de tudo quanto devia e separou o dinheiro,
passou algumas procurações para a esposa e escreveu um sucinto testamento de
próprio punho. E tanto ainda por fazer, lamentou-se. Sentiu-se impotente e
injustiçado ante a grave moléstia; logo ele, um brilhante médico, considerado
por todos um gênio, um médico desses de ressuscitar defunto de três dias. Como
a sua vida lhe pareceu frágil, o homem que se achava um Deus agora se sentia
como um reles mortal. Percebeu como era difícil e doloroso ser o paciente,
agora que o seu destino estava nas mãos de outro jaleco branco, um homem
insensível e de olhar duro.
Naqueles
três longos dias que se sucederam, e que lhe pareceram uma eternidade, lembrou
que já era tarde demais para ir ao Nepal como sempre sonhara. E nem nunca lera
além do prefácio de “A Montanha Mágica” ou escrevera o seu próprio livro
policial usando aquela ideia genial que certo dia teve. E a sua longa lista de mulheres
com quem sonhava transar algum dia, estava cancelada. Suspirou. Lamentou pelos
poemas de Drummond e Pessoa que nunca leu para a amada esposa, mãe de seus
filhos pequenos, os mesmos filhos que não veria crescer, embora ele raramente
os visse, pois ele vivia para o trabalho, para dar a sua família uma vida confortável
sem que lhe faltasse nada.
Na
véspera do exame, ele foi ver a amante e despediu-se com uma tarde de pecados
inconfessáveis, deu-lhe de presente uma linda e cara joia que ela poderia
vender, numa hora de aperto. Na manhã seguinte, no dia fatídico, amou a esposa
antes do café da manhã como há muito não o fazia, fazendo-a até apaixonar-se de
novo pelo marido e ponderar livrar-se do jovem amante. Beijou os pequeninos e
foi enfrentar a ressonância magnética.
Ele
que prescreveu tantas vezes a seus pacientes aquele exame, nunca imaginou como o
mesmo fosse tão incômodo. Foi entupido de contraste pelas atendentes e esperou
tantas horas quanto foi preciso até ser metido numa fina túnica e daí seguiu para
dentro de um tubo que temeu ser o prelúdio de sua tumba. Enquanto era mantido
imóvel dentro daquela terrível cápsula que examinava cada uma de suas células, apelou
para a salvação divina ensaiando um mal engendrado “Pai Nosso que estás no céu”,
mas terminava sempre se enrolando em algum lugar entre o “vem a nós o vosso
reino” e o “pão nosso de cada dia”. Terminou por rezar o Hino do Bahia, cuja
lembrança era mais vívida em sua memória por ser um devoto fervoroso e, com o
qual esperava obter, de qualquer jeito, a mesma graça divina.
Quando
o exame ficou pronto, o doutor correu levando-o para o seu caríssimo especialista
cujo documento leu com uma expressão de constipação crônica. E sem dizer mais
nada, o especialista colocou 16 gotas de uma mágica porção em meio copo de água
que serviu ao seu paciente que o bebeu feito um cordeirinho, dando por
encerrada a consulta. O famoso médico deixou o consultório com um sorriso de
felicidade e, caminhando lépido em direção ao automóvel, já no pátio do estacionamento,
soltou um sonoro e vigoroso peido que o fez sentir-se aliviado. Foi o efeito da
porção mágica, tudo não passou de gases. Estava curado!
Rio
Vermelho, 2 de setembro de 2012.
6 comentários:
Adorei espero que o medico trate melhor seus pacientes depois disso!!kkkBeijos
Cristiano. Li e gostei mas ficou muito difícil colocar uma comentário não consegui. Seria este :" Tudo isso aconteceu por causa de um simples punzinho ? O que os gazes não fazem ! Outro dia , eu pensava que ia ter um enfarte. Não enfartei .Estava só em casa . Sentia dores no peito e nas costas. Resolvi o problema engolindo dois comidos anti-gazes. Agora, com isso, não quero dizer que a cada dorzinha no peito ou nas costas a turma saia mando ati-gazes... Antes demais nada, é aconselhavel esperimentar ! rsrseses "
Sarnelli
Cris:
Amei!
Me acabei de dar risada.
Assisti Intocáveis esse fim de semana e a FIlha do Pai,gostei muito dos dois mas o primeiro é imbativel...
Bjo bom dia!
Sandra.
Texto divertidíssimo. Do que os gases são capazes! Muitas vezes fazemos o bem aos outros sem querer.
Parabéns.
Fátima Santiago
Karolina de Viena, Austria:
Sou médica e gostei muito da stória.
para mim além dos gases capazes eu amei a tranquilidade e normalidade com qual o médico tem uma mulher e uma amante e com qual a esposa tem o medico e uma amante.
Acho que talvez aqui na Austria somos conservadores demais...?
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