quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Emprego dos Sonhos

Eu ligo para a Secretaria do Meio Ambiente com o intuito de fazer uma reclamação. Tento seguidas vezes os mesmos números que me passaram, mas ninguém jamais atende. Inconformado, no dia seguinte, tento novamente até que uma voz feminina e sonolenta finalmente me atende e pede que eu aguarde, pois vai chamar a pessoa responsável. Quando eu quase desistia de esperar, a mesma voz preguiçosa retoma a ligação, informa que a responsável não foi trabalhar naquele dia. Pergunto quando ela costuma ir trabalhar e sou instruído a tentar novamente por minha conta e risco na manhã do dia seguinte.
         Uma cozinha industrial instalou-se em nossa rua na casa onde marava uma querida vizinha. Primeiro foi o pai que se foi há muitos anos quando eu ainda era um meninote. Depois, a mãe. Finalmente, certo dia, não muito tempo atrás, ela comeu uma ostra estragada e não deu outra. Como não tinha herdeiros diretos, a casa foi vendida pelos irmãos. Nossa rua é residencial, mas isto não importa para a prefeitura que vê no IPTU comercial uma fonte de renda mais lucrativa que o residencial. Salvador carece de um plano diretor e de um ordenamento urbano, aqui tudo pode.
         O estabelecimento prepara alimentos que vão ser consumidos por seletos clientes de uma certa cadeia chique de cafés cujo funcionamento é em shopping centers, mas foi construído sem observar as normas para este tipo de empreendimento. A chaminé da cozinha não possui os apropriados filtros que impedem a poluição do ar e sua altura está abaixo do comprimento estabelecido. Resultado, os moradores do pequeno prédio vizinho sofrem com o cheiro de frituras e outros cozimentos e quando o vento sopra para o lado de minha casa, do outro lado da rua, nas correntes de verão, meu momento de leitura na rede do jardim é incomodado com o odor enjoativo.
Uma vizinha que mora no pequeno prédio ao lado da chaminé da tal cozinha já bateu duas vezes à minha porta choramingando e se queixando que o mal cheiro tem agravado a renite alérgica de seu filho. Sugeri-lhe que talvez fosse mais eficaz se ela reclamasse diretamente com o incomodador, mas sua natureza a impede de tomar tal iniciativa, que baiano intimida-se ante a necessidade de encarar enfrentamentos. Isto deve ser ainda herança dos tempos de senzala, penso eu, quando dezenas de homens, mulheres e crianças eram obrigados a coabitar o mesmo espaço sem direito a privacidade alguma e, por isso, tinham de engolir calados os aborrecimentos que surgiam naquele tipo de situação. A passividade e submissão, o medo da retaliação perduraram até os nossos dias. O prestativo de seu marido passa o dia fora no trabalho e quando volta para casa não quer saber de problemas. Restou a mim, o prefeito honorário da rua, fazer algo a respeito. Eu tinha resistido a isto, na esperança de que os incomodados tomassem a iniciativa, até o dia em que eu mesmo me senti incomodado.
         Liguei no dia seguinte para a Secretaria do Meio Ambiente e a mesma voz entusiasmada me atendeu. Os fiscais estavam todos fora fiscalizando as denuncias, informou. Mas alguém tem de anotar estas denuncias para que os fiscais possam ir para campo, não é? Tem sim, mas esta pessoa não chegou ainda, ela disse. Mas não foi esta mesma que não foi trabalhar ontem e estaria hoje aí pela manhã? Ela não chegou ainda, a atendente informou mais uma vez. E quando ela vai aparecer por aí, tem alguma ideia? Tente depois das dez, a outra respondeu. Eu gostaria muito de ter um emprego assim, lhe disse. Eu também, ela foi irônica, mas não sou concursada e por isso tenho de estar aqui no trabalho no horário todo santo dia.

Rio Vermelho, 13 de fevereiro de 2014.

2 comentários:

Sarnelli disse...

Não tenho o que dizer , mas fica registrada a minha passagem por aqui e me vou deixando o meu abraço. O meu conselho é continuar tentando , tentando e tentando novas ligações até o dia em que conseguir encontrar a funcionária concursada para resolver o seu problema. Enquanto isso, vá curtindo os odores mais apetitosos e tentando adivinhar o que estão fritando por lá... Faça de conta...himmmmmmm

Cintia Fasano disse...

Também estou tentando fazer uma denúncia na Secretaria do Meio Ambiente aqui em Curitiba e não tenho retorno. Ninguém quer fazer nada, nem o privado, no caso o restaurante, nem o público, no caso a concursada. faz um protesto na frente do restaurante!!! Mas vc sabe que vão dizer que você é vândalo. Mudar as coisas é difícil!! bjs