Eu ligo para a Secretaria do
Meio Ambiente com o intuito de fazer uma reclamação. Tento seguidas vezes os mesmos
números que me passaram, mas ninguém jamais atende. Inconformado, no dia
seguinte, tento novamente até que uma voz feminina e sonolenta finalmente me
atende e pede que eu aguarde, pois vai chamar a pessoa responsável. Quando eu
quase desistia de esperar, a mesma voz preguiçosa retoma a ligação, informa que
a responsável não foi trabalhar naquele dia. Pergunto quando ela costuma ir
trabalhar e sou instruído a tentar novamente por minha conta e risco na manhã do
dia seguinte.
Uma cozinha industrial instalou-se em nossa rua na casa onde
marava uma querida vizinha. Primeiro foi o pai que se foi há muitos anos quando
eu ainda era um meninote. Depois, a mãe. Finalmente, certo dia, não muito tempo
atrás, ela comeu uma ostra estragada e não deu outra. Como não tinha herdeiros
diretos, a casa foi vendida pelos irmãos. Nossa rua é residencial, mas isto não
importa para a prefeitura que vê no IPTU comercial uma fonte de renda mais lucrativa
que o residencial. Salvador carece de um plano diretor e de um ordenamento
urbano, aqui tudo pode.
O estabelecimento prepara alimentos que vão ser consumidos
por seletos clientes de uma certa cadeia chique de cafés cujo funcionamento é
em shopping centers, mas foi construído sem observar as normas para este tipo
de empreendimento. A chaminé da cozinha não possui os apropriados filtros que
impedem a poluição do ar e sua altura está abaixo do comprimento estabelecido.
Resultado, os moradores do pequeno prédio vizinho sofrem com o cheiro de
frituras e outros cozimentos e quando o vento sopra para o lado de minha casa, do
outro lado da rua, nas correntes de verão, meu momento de leitura na rede do
jardim é incomodado com o odor enjoativo.
Uma
vizinha que mora no pequeno prédio ao lado da chaminé da tal cozinha já bateu
duas vezes à minha porta choramingando e se queixando que o mal cheiro tem
agravado a renite alérgica de seu filho. Sugeri-lhe
que talvez fosse mais eficaz se ela reclamasse diretamente com o incomodador, mas sua natureza a impede de tomar tal iniciativa, que baiano intimida-se
ante a necessidade de encarar enfrentamentos. Isto deve ser ainda herança dos
tempos de senzala, penso eu, quando dezenas de homens, mulheres e crianças eram
obrigados a coabitar o mesmo espaço sem direito a privacidade alguma e, por
isso, tinham de engolir calados os aborrecimentos que surgiam naquele tipo de
situação. A passividade e submissão, o medo da retaliação perduraram até os
nossos dias. O prestativo de seu marido passa o dia fora no trabalho e quando volta
para casa não quer saber de problemas. Restou a mim, o prefeito honorário da
rua, fazer algo a respeito. Eu tinha resistido a isto, na esperança de que os
incomodados tomassem a iniciativa, até o dia em que eu mesmo me senti
incomodado.
Liguei no dia seguinte para a Secretaria do Meio Ambiente e
a mesma voz entusiasmada me atendeu. Os fiscais estavam todos fora fiscalizando
as denuncias, informou. Mas alguém tem de anotar estas denuncias para que os
fiscais possam ir para campo, não é? Tem sim, mas esta pessoa não chegou ainda,
ela disse. Mas não foi esta mesma que não foi trabalhar ontem e estaria hoje aí
pela manhã? Ela não chegou ainda, a atendente informou mais uma vez. E quando
ela vai aparecer por aí, tem alguma ideia? Tente depois das dez, a outra
respondeu. Eu gostaria muito de ter um emprego assim, lhe disse. Eu também, ela
foi irônica, mas não sou concursada e por isso tenho de estar aqui no trabalho no
horário todo santo dia.
Rio Vermelho, 13 de
fevereiro de 2014.
2 comentários:
Não tenho o que dizer , mas fica registrada a minha passagem por aqui e me vou deixando o meu abraço. O meu conselho é continuar tentando , tentando e tentando novas ligações até o dia em que conseguir encontrar a funcionária concursada para resolver o seu problema. Enquanto isso, vá curtindo os odores mais apetitosos e tentando adivinhar o que estão fritando por lá... Faça de conta...himmmmmmm
Também estou tentando fazer uma denúncia na Secretaria do Meio Ambiente aqui em Curitiba e não tenho retorno. Ninguém quer fazer nada, nem o privado, no caso o restaurante, nem o público, no caso a concursada. faz um protesto na frente do restaurante!!! Mas vc sabe que vão dizer que você é vândalo. Mudar as coisas é difícil!! bjs
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