Eu gosto de gastronomia a ponto
de me aventurar a experimentar algumas receitas simples de vez em quando. Sim,
porque a minha ambição pela arte culinária não vai muito além de recriar
algumas receitas fáceis de fazer que não frustrem o entusiasmo do chef amador
que existe em mim. Outro dia mesmo eu participei de um workshop sobre risoto oferecido
pelo SENAC e tive a grata surpresa de descobrir que aquilo que eu fazia com
tanto empenho nunca foi um risoto.
E foi conversando sobre pratos exóticos com um amigo natural
do sertão de Minas Gerais que me veio a lembrança de um episódio em minha vida cuja
relação com a culinária é nenhuma. Meu amigo mineiro falava de como sua mãe
sabia fazer um ensopado de tatu como ninguém e de como ela até aproveitava o
rabo do bicho. Não sou fã de tatu, jamais comi um e creio que este não está na
minha lista de 100 coisas para comer antes de morrer. Considero-o até um animal
simpático e até já tivemos um desses em nossa casa da Rua do Céu quando eu era
criança. Mas desde que tomei conhecimento que o animal fazedor de buracos na
terra apreciava cadáveres a sete palmos como iguaria e é um transmissor da
doença de Lázaro, desenvolvi uma repulsa em tê-lo à minha frente em um prato sob
qualquer receita que seja.
Outra especialidade que a mãe do meu amigo tem é fazer um
prato de nome tão incomum para nós baianos como ele próprio. Chama-se galopé e
é feito a partir da mistura de dois cozidos, um de pés de porco frescos e outro
de um cozido de galo duro. Minhas papilas gustativas salivaram encantadas com a
ideia de prová-lo. Deve ser aquele tipo de comida que agente come e sua ao
mesmo tempo e depois vai se deitar numa rede na sombra o resto da tarde para
fazer a digestão. Entretanto, esta é uma receita que jamais terei a
oportunidade de experimentar, a menos que eu vá parar num rincão de Minas. Eu
me perguntei em nome de Deus onde eu conseguiria pés de porco frescos e ainda
mais um galo velho e duro para abater aqui em Salvador. Naquele momento,
lembrei-me de um certo galo.
Eu vinha de uma fazenda onde fui passar o fim de semana com
amigos e já era noite quando passávamos em frente à CEASA do Rio Vermelho. O
carro vinha a certa velocidade, cheio de gente e malas e eu estava ao volante.
Estávamos exaustos da longa viagem, já era noite, mas eu mantinha os olhos firmes
e atentos na estrada. Ao passar em frente a um ponto de ônibus, fui
surpreendido com a presença de um animal no caminho logo à nossa frente. O
farol do carro devia tê-lo hipnotizado, pois ele estava imóvel como uma estátua
e pude ver a potente luz do carro refletida em seu pequeno olho. Ele tinha um
de cada lado da cabeça e estava de pé de perfil para nós. Era um majestoso e
robusto galo. Naquele instante, meu pensamento foi ágil e rápido, calculei que
seria impossível frear o automóvel sem causar um acidente e desviar para
qualquer um dos lados também resultaria numa tragédia. Com o coração apertado,
segui adiante e até hoje me lembro de sentir uma batida surda no chassis do
carro. Aquele foi o meu primeiro e único atropelamento até os dias de hoje.
Um amigo sentado no banco ao meu lado testemunhou o terrível
episódio e ainda viu o dono do animal esbravejando feito um louco no ponto do
ônibus.
— Corre, Cris! – ele gritou exaltado. – Você matou um galo
de briga, o dono está puto segurando a faixa de campeão!
Rio Vermelho, 10 de fevereiro de 2014.
Um comentário:
Legal Cristinao...valeu! abs jair
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