terça-feira, 4 de março de 2014

O Novo Vizinho

As noites frescas do verão tornaram-se bucólicas nas últimas semanas aqui na Rua Ilhéus. Tenho a impressão de que voltei a morar no campo. (Não que eu tenha realmente morado no campo alguma vez, mas o fato de já ter passado um fim-de-semana inteiro numa fazenda, me faz sentir credenciado para me considerar um homem da natureza!) O motivo de tal atmosfera campesina, foi a súbita chegada de um novo vizinho. Um sapo fixou residência na boca-de-lobo que fica logo em frende à nossa casa. Coaxa a noite inteira sem parar, alto e forte como o timbre de um bem nutrido barítono. Ele começa o seu canto ribeirinho ao escurecer e quando eu levanto no meio da noite por qualquer motivo, lá está ele cortando o silêncio da madrugada com a sua balada que parece mais um lamento triste e solitário.
         Bonito, não? Imagine ter um sapo em baixo de sua janela coaxando a noite inteira sem parar, noite após noite. No início, isto foi curioso e encantador como qualquer novidade. A natureza invadiu a minha casa, me regozijei Até pensei em tirar uma foto ao lado do bichinho para pôr no Facebook. Entretanto, depois do terceiro dia consecutivo, o sapo tornou-se uma chateação ecológica, rasguei o meu diploma de homem do campo. Só no que eu pensava era transferir o domicílio do batráquio para a porta de outro vizinho bem longe daqui.
De onde veio esta criatura, eu me perguntei. No entanto, é fácil de entender porque isto está acontecendo. A nossa casa foi construída sobre um aterro onde antes existiu um charco, habitat natural dos sapos, nas margens do rio Lucaia, que fica a poucos metros de minha casa. Eu me lembro quando ainda se podia pescar ali quando eu era criança. Em dias de maré cheia, a água do mar invadia o rio e os pescadores jogavam tarrafas para capturarem minúsculos peixes de nome pititinga. Naquela época, o rio ainda não era o sombrio esgoto em que foi transformado nos dias de hoje e que, em breve, será um canal fechado com placas de concreto sobre o qual uma avenida ou área de lazer será construída. Finalmente, o moribundo rio, cujo fedor, nos lembra , noite e dia, de sua decadente existência, será sepultado. Tentar revitalizá-lo é uma solução impensável para o governo que despreza soluções ecológicas baratas em favor daquelas que doam para as suas campanhas eleitorais, as empreiteiras.
A verdade é que as cidades nascem e crescem em espaços onde antes dominava a natureza e, embora as edificações humanas ponham abaixo a vegetação deixando sem moradia os animais nativos da região, enxotando-os dali, algum dia, movidos por uma força invisível, eles voltam para reconquistar o seu antigo lar. É a natureza querendo de volta aquilo que lhe foi tomado.

Rio Vermelho, 3 de março de 2014.
        
        

                  

4 comentários:

Ana Martha Falzoni disse...

Não pode reclamar, não. Deixe o bichinho lá. Leva umas mosquinhas frescas pra ele.

Hellio Campos - Mestre Xaréu disse...


Tenho lido seus contos e acho muito legal. Parabéns e continue celebrando o cotidiano.
Hellio Campos - Xaréu

Hellio Campos - Mestre Xaréu disse...

Tenho lido seus contos e acho muito legal. Parabéns e continue celebrando o cotidiano.
Hellio Campos - Xaréu

Jacqueline disse...

pobre do sapo e pobre de nós... moramos na mesma boca de lobo da insanidade e insensatez... o sapo pelo menos lamenta para quem quiser e não quiser ouvir.
jacquelyne moreno