quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Casal Moderninho

Amadeu chega em casa mais cedo e diz para Dulcinha na cozinha, ainda às voltas com a janta:

— Tive uma ideia brilhante para salvar o nosso casamento. – disse com contida excitação.

Acostumada a ouvir as ideias estapafúrdias do marido, ela responde sem tirar os olhos da panela.

— Ah, é? O Nosso casamento está em perigo? Não sabia.

— Você sabe, para agitar um pouco as coisas. – ele corrige-se.

— Ah, sim. – ela fica calada à espera de ouvir o resto.

A história de amor entre Amadeu e Dulcinha resumia-se assim: iam fazer dez anos de casados. Mas para ele, já parecia aquela eternidade. O negócio é que eles ainda eram meninos quando se uniram em matrimonio, nem bem tinham completado o ensino médio. Namoravam desde os quinze e, sabe como são os adolescentes nesta idade, fazem sexo como se isto fosse sair de moda na semana seguinte. Resultado, por causa de um desleixo dos coelhinhos, Dulcinha começou a sentir uns enjoos e não deu outra, estava muito grávida.  Sua família, que era muito religiosa e conservadora, não admitiu outra solução que não o casamento.

Durante todos aqueles anos de casados, no entanto, sem ter tido a chance de conhecer outras mulheres, Amadeu alimentava um desejo secreto de sair por aí pegando todas as que lhe davam bola. E, diga-se de passagem, não eram poucas.  Ele se tornara um rapagão bonito que chamava a atenção por onde passava, um bom partido mesmo. As colegas do trabalho só faltavam se jogar para ele.

— Vamos abrir a nossa relação. — ele disse como se tivesse acabado de inventar a penicilina.

— Que doideira é essa, meu filho, o que é que tu estás me dizendo? – Dulcinha lhe lançou um olhar chocado.

— O negócio é o seguinte, você fica livre para sair por aí e conhecer outros homens. E eu também. Entendeu?

Desta vez Amadeu exagerou na dose. Dulcinha não acreditava no que acabava de ouvir. Todos os santos dias a mulherada na rua dava mole para ele, mas ele se continha. Era a maior tortura que um cristão podia ser submetido. Não havia santo alguma que aguentasse tanta tentação. Ele resistia a trair a esposa. Mas já era hora de ele por um fim a tanta repressão. Então ele veio com esta brilhante ideia, se liberasse a esposa para dar suas escapadinhas, ela podia fazer o mesmo sem ter dor de consciência. Por outro lado, ele sabia que seria fácil pegar a mulherada que vivia lhe atentando. Quanto à Dulcinha, ela era muito pudica para estas coisas e, além do mais, tinha virado um bucho. Depois que teve filho, ela se descuidou, engordou, emagreceu e voltou a engordar novamente. Parecia que tinha perdido toda a vaidade, nem se cuidava mais. Por isso mesmo Amadeu tinha a certeza de que nenhum homem em sã consciência ia quer alguma coisa com ela. Então, dificilmente ele levaria chifres. No frigir dos ovos, só ele se daria bem.

— Ah, eu não sei não. Isto não me parece certo. Casamento é uma coisa sagrada, meu filho. Não é pra brincar desse jeito, não. – ela disse desconfortável.

— E eu concordo com você, minha flor. O que eu estou tentando fazer aqui, é salvar o nosso casamento, entende? Agente quase nem transa mais!

— Ai Amadeu, deixa eu pensar isto direitinho. Me dá um tempo, tá? Vai tomar o seu banho, esfria esta cabeça enquanto eu termino de fazer o jantar. Vai, meu filho.

A princípio, Dulcinha até achou que não era uma má ideia. Ela só não conseguia se imaginar dormindo com outro homem que não fosse o seu marido. Ela tinha as suas fantasias, mas nunca esperou que algum dia pudesse pô-las em prática. Não voltaram a tocar no assunto por duas semanas, Dulcinha até achou que o marido tinha abandonado aquela ideia sem pé nem cabeça. No entanto, ele voltou a insistir.

— Faz o que tu queres, meu filho. Só não te arrependas depois, porque aí a Inês é morta, viu. – ela foi taxativa.

Feliz da vida, no dia seguinte, Amadeu foi à luta. E no dia seguinte e nos outros que se seguiram. Mas agora que se considerava um homem livre, as mulheres pareciam que tinham sumido. É que uma coisa era flertar com ele sem maiores consequências, e outra era se meter com homem casado, o que era de conhecimento de todas. Seu grande plano parecia que tinha ido por água abaixo.

Certa noite, no entanto, Amadeu chegou cansado em casa e depois da janta foi se deitar. Dulcinha fez diferente, se arrumou direitinho, pôs um vestido apertado com um decote de tirar o folego, ajeitou o cabelo e passou uma maquiagem. Ficou bonitinha.

— Eu vou dar uma saidinha com as meninas e já volto. Vá descansar, meu filho. – ela disse. As meninas a que ela se referia, eram as suas amigas.

E no meio da noite, Amadeu foi acordado com um incomum pedido de Dulcinha que acabara de voltar para casa.

— Meu filho, te levanta e vai deitar no sofá da sala.

— Que pedido é este mulher, não vês que estou dormindo? – ele disse ainda grogue de sono.

— É que eu não quis ir pra um motel, não fica bem para uma mulher casada, você sabe.

— Mas o que é que está acontecendo? Eu não estou entendendo.

— Meu filho, tá lembrado, não? Agente abriu a relação. Foi ideia sua. Eu trouxe um rapaz e ele está impaciente. Imagine, ele adora gordinhas casadas. Anda meu filho que já está tarde. Leva o seu travesseiro junto pra você não acordar com o torcicolo.

A contragosto, Amadeu teve de aceitar aquela situação que só agora ele via o quanto ela era esdruxula. Levantou-se bufando de raiva e cedeu o seu lugar na cama para o convidado. No entanto, para não sucumbir de ciúmes ao ouvir os gemidos de luxúria de Dulcinha vindos de lá de dentro, foi encher a cara no boteco da esquina. Afogava as mágoas no copo repetindo aos prantos para si e para quem quisesse ouvi-lo “eu sou um corno, eu sou um corno manso.”

Rio Vermelho, 30 de outubro de 2014.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Desejo Incontrolável de Ser Mãe

Chegara aos 30 e queria ser mãe a todo custo. A maternidade semeava em seu corpo o desejo irrefreável de conceber. Era saudável, informou-lhe a doutora. Só tinha um obstante: precisava de um pai para a criança. E de um marido para ela. Tinha de ser de papel passado, ainda por cima. Jandira era uma mulher convencional neste aspecto. Nada de produção independente. Uma criança precisava de uma mãe. E de um pai. Antes de realizar o sonho da maternidade, precisava arranjar um marido.

O fato de ser a chefe do departamento de pessoal de uma grande empresa era uma situação vantajosa. Dezenas de homens que lá trabalhavam, poderiam ser os candidatos ideias para aquela empreitada. Bastava procurar na ficha dos solteiros, aquele cujo currículo enquadrava-se no cargo oferecido. Jandira era uma mulher obstinada.

Pesquisou na poeira de arquivos até encontrar um Eduardo Jorge. Locado no departamento de projetos no quinto andar, era cinco anos mais velho, economista e já fora promovido duas vezes em quatro anos de empresa. Não demoraria a se tornar o chefe do departamento. Era pontual, nunca faltava e era tido por seus superiores como um profissional ambicioso, trabalhador dedicado e criativo.

Jandira procurava por um marido e por um pai para a sua planejada cria como quem selecionava um candidato a uma vaga na empresa. Analisou o seu psicoteste, ficou satisfeita. Não era maluco. Só precisava saber se ainda continuava solteiro. Mas isto era fácil. Convoco-o a comparecer ao departamento para uma atualização de cadastro.

Depois de confirmar em sua ficha a condição de solteiro, Eduardo Jorge aceitou, primeiro surpreso e, em seguida, com um pingo de desconfiança, o convite de Jandira para que jantasse em seu apartamento que era um novinho em folha e no qual reservara para a futura criança o quarto ao lado do seu. Mandara pintá-lo de rosa, pois queria era uma menina.

Na noite combinada para o jantarzinho, a anfitriã preparou ela mesma um belo linguado assado ao molho de alcaparras na manteiga. Tomou um demorado banho de sais, passou creme hidratante pelo corpo inteiro para deixar a pele deliciosamente fresca e macia. Ficou mais temperada que o prato principal. Vestiu uma calcinha nova de rendinha e por cima jogou um vestido quase transparente. Pelo visto, Jandira planejava um jantarzão.

Ao chegar pontualmente no horário combinado, Jandira fez questão de mostrar a Eduardo Jorge o apartamento novo. Aqui é a sala, ali é a cozinha, aquele é o meu quarto e este ao lado do meu é o quarto do meu futuro bebê, não que eu esteja grávida ou coisa assim, mas estou planejando ter um filho em breve. Tanta informação assim, fez Eduardo Jorge dar um pulo para trás. Epa! Ele passou o resto da noite em alerta, como uma presa à espera do golpe de seu algoz.

Depois do delicioso jantar, Jandira serviu-se como sobremesa. Desconfiadíssimo, Eduardo Jorge, para não fazer uma desfeita à sua anfitriã comeu-la ali mesmo na sala, mas sem querer repetir o prato. Jandira, sem reparar na falta de apetite do rapaz, contou-lhe o seu plano de casar e ter um filho ainda naquele final de ano. Ao ouvir aquela confissão, o rapaz engoliu em seco e teve a incomoda sensação de que, de alguma forma, ela queria que ele fizesse parte daquela tramoia. Ele, entretanto, para não azedar a noite mais do que, para ele, já tinha se tornado indigesta, deixou para fazer qualquer comentário só antes de ir embora.

Ao se despedir, no final da noite, Eduardo Jorge, informou-lhe que também tinha um plano. O de nunca se casar nem aqui e nem na China. Desejo-lhe boa sorte, ele disse encabulado. Você está indo muito bem em seu plano. No ritmo que você vai, irá varrer todo o quinto e o sexto andar num piscar de olhos!


Salvador, 14 de outubro de 2014.


segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Alma Gêmea Demais

Era tão louco por Aldalice a ponto de desejar devorar a sua carne até os ossos. Nunca se viu tamanha paixão. Chegava a ser quase uma obsessão. As amigas da moça morriam de inveja. Nossa, como eu queria ter um homem tão apaixonado por mim assim, suspiravam.
De fato, Heitor era um namorado como não se via igual. Fazia de tudo para surpreender a sua amada. Fazia-lhe as vontades, enchia-lhe de mimos. Certo dia, ao passar em frente à loja, viu na vitrine um frasco de Gordius Choice, o perfume preferido de Aldalice. Raríssimo de se encontrar. Não teve dúvida. Entrou e comprou o único frasco restante. Nem pestanejou ao pagar uma grana por ele.
À noite, aprontou-se todo e foi fazer uma surpresa à namorada. Ela o recebeu em casa como de costume. E como não disse nada, ele puxou assunto. Não está sentindo um cheiro familiar? Deu um sorriso meio sínico. Sim, você está usando um perfume parecido com o meu! Ao invés de presenteá-lo à Aldalice, Heitor preferiu usá-lo. E foi assim que tudo começou.
Certa noite, depois de fazerem amor, ele teve uma ideia divertida. Vestiu as roupas de baixo de Aldalice e aí fez uma imitação dela. Ficou tão parecida que os dois caíram na gargalhada. Depois voltaram a se amar. A brincadeira teve o efeito de um afrodisíaco em Heitor, Aldalice sentiu a sua pujança vitaminada.
Aquela brincadeira mexeu com Heitor. Ele gostou de sentir a macies do lingerie da namorada roçando a sua pele máscula. Porque não usavam o mesmo material para confeccionar cuecas, ele se perguntou. O rapaz sentiu uma comichão gostosa dentro daquelas delicadas peças íntimas. Era uma sensação indescritivelmente agradável usar calcinha e sutiã.
Uma noite, ele veio da casa de Aldalice com alguma coisa escondida no bolso da calça. Trancou-se no quarto e despiu-se. Vestiu uma calcinha e um sutiã roubados da namorada. Foi dormir daquele jeito. Na manhã seguinte, acordou sentindo-se estranhamente diferente. Alguma coisa tinha mudado.
Não satisfeito em usar apenas a calcinha e o sutiã da namorada, certa vez, ele trouxe para casa um de seus vestidos prediletos escondido em uma sacola de compras. Trancou-se logo no quarto para prova-lo diante do espelho. Caiu feito uma luva. Não é que Aldalice e Heitor vestiam o mesmo manequim!
Deixa de esquisitice, disse Aldalice quando Heitor mostrou-lhe a novidade. Estava usando o seu vestido e de quebra a calcinha e o sutiã. Onde já se viu um macho como você se vestir de mulher. Não é carnaval, meu filho, tire já esta fantasia, ela ordenou incomodada com o que acabara de presenciar.
Mas as esquisitices de Heitor não pararam por ali. Um dia ele foi encontrar a namorada para o almoço. Ela o esperava no restaurante combinado e quando o viu chegar, quase teve um chilique. Heitor chegou vestindo uma saia e uma blusa muito parecidas com as que ela usava para aquele encontro. Ele também usava bijuterias como ela, sapatos altos e uma Louis Vuitton paraguaia igualzinha à dela. Não deixou de passar o batom da mesma cor que Aldalice usava e uma leve maquiagem como a dela. Para completar, ele pôs uma peruca da mesma cor que o seu cabelo e com o corte semelhante.
Aquilo já tinha ido longe demais. Heitor tinha passado dos limites. Aldalice passou-lhe uma descompostura ali mesmo em público. E foi-se embora o proibindo de procura-la novamente. Não até que ele pusesse fim àquela maluquice. Onde já se viu namorar com ela mesma!

Rio vermelho, 6 de outubro de 2014.