Amadeu chega em casa mais cedo e
diz para Dulcinha na cozinha, ainda às voltas com a janta:
— Tive uma ideia brilhante para
salvar o nosso casamento. – disse com contida excitação.
Acostumada a ouvir as ideias estapafúrdias
do marido, ela responde sem tirar os olhos da panela.
— Ah, é? O Nosso casamento está
em perigo? Não sabia.
— Você sabe, para agitar um
pouco as coisas. – ele corrige-se.
— Ah, sim. – ela fica calada à espera
de ouvir o resto.
A história de amor entre Amadeu
e Dulcinha resumia-se assim: iam fazer dez anos de casados. Mas para ele, já
parecia aquela eternidade. O negócio é que eles ainda eram meninos quando se uniram
em matrimonio, nem bem tinham completado o ensino médio. Namoravam desde os quinze
e, sabe como são os adolescentes nesta idade, fazem sexo como se isto fosse
sair de moda na semana seguinte. Resultado, por causa de um desleixo dos coelhinhos,
Dulcinha começou a sentir uns enjoos e não deu outra, estava muito grávida. Sua família, que era muito religiosa e conservadora,
não admitiu outra solução que não o casamento.
Durante todos aqueles anos de
casados, no entanto, sem ter tido a chance de conhecer outras mulheres, Amadeu alimentava
um desejo secreto de sair por aí pegando todas as que lhe davam bola. E,
diga-se de passagem, não eram poucas. Ele
se tornara um rapagão bonito que chamava a atenção por onde passava, um bom
partido mesmo. As colegas do trabalho só faltavam se jogar para ele.
— Vamos abrir a nossa relação.
— ele disse como se tivesse acabado de inventar a penicilina.
— Que doideira é essa, meu
filho, o que é que tu estás me dizendo? – Dulcinha lhe lançou um olhar chocado.
— O negócio é o seguinte, você
fica livre para sair por aí e conhecer outros homens. E eu também. Entendeu?
Desta vez Amadeu exagerou na
dose. Dulcinha não acreditava no que acabava de ouvir. Todos os santos dias a
mulherada na rua dava mole para ele, mas ele se continha. Era a maior tortura
que um cristão podia ser submetido. Não havia santo alguma que aguentasse tanta
tentação. Ele resistia a trair a esposa. Mas já era hora de ele por um fim a
tanta repressão. Então ele veio com esta brilhante ideia, se liberasse a esposa
para dar suas escapadinhas, ela podia fazer o mesmo sem ter dor de consciência.
Por outro lado, ele sabia que seria fácil pegar a mulherada que vivia lhe
atentando. Quanto à Dulcinha, ela era muito pudica para estas coisas e, além do
mais, tinha virado um bucho. Depois que teve filho, ela se descuidou, engordou,
emagreceu e voltou a engordar novamente. Parecia que tinha perdido toda a
vaidade, nem se cuidava mais. Por isso mesmo Amadeu tinha a certeza de que
nenhum homem em sã consciência ia quer alguma coisa com ela. Então,
dificilmente ele levaria chifres. No frigir dos ovos, só ele se daria bem.
— Ah, eu não sei não. Isto não
me parece certo. Casamento é uma coisa sagrada, meu filho. Não é pra brincar
desse jeito, não. – ela disse desconfortável.
— E eu concordo com você, minha
flor. O que eu estou tentando fazer aqui, é salvar o nosso casamento, entende?
Agente quase nem transa mais!
— Ai Amadeu, deixa eu pensar
isto direitinho. Me dá um tempo, tá? Vai tomar o seu banho, esfria esta cabeça enquanto
eu termino de fazer o jantar. Vai, meu filho.
A princípio, Dulcinha até achou
que não era uma má ideia. Ela só não conseguia se imaginar dormindo com outro
homem que não fosse o seu marido. Ela tinha as suas fantasias, mas nunca
esperou que algum dia pudesse pô-las em prática. Não voltaram a tocar no
assunto por duas semanas, Dulcinha até achou que o marido tinha abandonado aquela
ideia sem pé nem cabeça. No entanto, ele voltou a insistir.
— Faz o que tu queres, meu
filho. Só não te arrependas depois, porque aí a Inês é morta, viu. – ela foi taxativa.
Feliz da vida, no dia seguinte,
Amadeu foi à luta. E no dia seguinte e nos outros que se seguiram. Mas agora
que se considerava um homem livre, as mulheres pareciam que tinham sumido. É que
uma coisa era flertar com ele sem maiores consequências, e outra era se meter
com homem casado, o que era de conhecimento de todas. Seu grande plano parecia
que tinha ido por água abaixo.
Certa noite, no entanto, Amadeu
chegou cansado em casa e depois da janta foi se deitar. Dulcinha fez diferente,
se arrumou direitinho, pôs um vestido apertado com um decote de tirar o folego,
ajeitou o cabelo e passou uma maquiagem. Ficou bonitinha.
— Eu vou dar uma saidinha com
as meninas e já volto. Vá descansar, meu filho. – ela disse. As meninas a que
ela se referia, eram as suas amigas.
E no meio da noite, Amadeu foi
acordado com um incomum pedido de Dulcinha que acabara de voltar para casa.
— Meu filho, te levanta e vai
deitar no sofá da sala.
— Que pedido é este mulher, não
vês que estou dormindo? – ele disse ainda grogue de sono.
— É que eu não quis ir pra um
motel, não fica bem para uma mulher casada, você sabe.
— Mas o que é que está
acontecendo? Eu não estou entendendo.
— Meu filho, tá lembrado, não?
Agente abriu a relação. Foi ideia sua. Eu trouxe um rapaz e ele está impaciente.
Imagine, ele adora gordinhas casadas. Anda meu filho que já está tarde. Leva o
seu travesseiro junto pra você não acordar com o torcicolo.
A contragosto, Amadeu teve de
aceitar aquela situação que só agora ele via o quanto ela era esdruxula. Levantou-se
bufando de raiva e cedeu o seu lugar na cama para o convidado. No entanto, para
não sucumbir de ciúmes ao ouvir os gemidos de luxúria de Dulcinha vindos de lá
de dentro, foi encher a cara no boteco da esquina. Afogava as mágoas no copo
repetindo aos prantos para si e para quem quisesse ouvi-lo “eu sou um
corno, eu sou um corno manso.”
Rio Vermelho, 30 de
outubro de 2014.