quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Desejo Incontrolável de Ser Mãe

Chegara aos 30 e queria ser mãe a todo custo. A maternidade semeava em seu corpo o desejo irrefreável de conceber. Era saudável, informou-lhe a doutora. Só tinha um obstante: precisava de um pai para a criança. E de um marido para ela. Tinha de ser de papel passado, ainda por cima. Jandira era uma mulher convencional neste aspecto. Nada de produção independente. Uma criança precisava de uma mãe. E de um pai. Antes de realizar o sonho da maternidade, precisava arranjar um marido.

O fato de ser a chefe do departamento de pessoal de uma grande empresa era uma situação vantajosa. Dezenas de homens que lá trabalhavam, poderiam ser os candidatos ideias para aquela empreitada. Bastava procurar na ficha dos solteiros, aquele cujo currículo enquadrava-se no cargo oferecido. Jandira era uma mulher obstinada.

Pesquisou na poeira de arquivos até encontrar um Eduardo Jorge. Locado no departamento de projetos no quinto andar, era cinco anos mais velho, economista e já fora promovido duas vezes em quatro anos de empresa. Não demoraria a se tornar o chefe do departamento. Era pontual, nunca faltava e era tido por seus superiores como um profissional ambicioso, trabalhador dedicado e criativo.

Jandira procurava por um marido e por um pai para a sua planejada cria como quem selecionava um candidato a uma vaga na empresa. Analisou o seu psicoteste, ficou satisfeita. Não era maluco. Só precisava saber se ainda continuava solteiro. Mas isto era fácil. Convoco-o a comparecer ao departamento para uma atualização de cadastro.

Depois de confirmar em sua ficha a condição de solteiro, Eduardo Jorge aceitou, primeiro surpreso e, em seguida, com um pingo de desconfiança, o convite de Jandira para que jantasse em seu apartamento que era um novinho em folha e no qual reservara para a futura criança o quarto ao lado do seu. Mandara pintá-lo de rosa, pois queria era uma menina.

Na noite combinada para o jantarzinho, a anfitriã preparou ela mesma um belo linguado assado ao molho de alcaparras na manteiga. Tomou um demorado banho de sais, passou creme hidratante pelo corpo inteiro para deixar a pele deliciosamente fresca e macia. Ficou mais temperada que o prato principal. Vestiu uma calcinha nova de rendinha e por cima jogou um vestido quase transparente. Pelo visto, Jandira planejava um jantarzão.

Ao chegar pontualmente no horário combinado, Jandira fez questão de mostrar a Eduardo Jorge o apartamento novo. Aqui é a sala, ali é a cozinha, aquele é o meu quarto e este ao lado do meu é o quarto do meu futuro bebê, não que eu esteja grávida ou coisa assim, mas estou planejando ter um filho em breve. Tanta informação assim, fez Eduardo Jorge dar um pulo para trás. Epa! Ele passou o resto da noite em alerta, como uma presa à espera do golpe de seu algoz.

Depois do delicioso jantar, Jandira serviu-se como sobremesa. Desconfiadíssimo, Eduardo Jorge, para não fazer uma desfeita à sua anfitriã comeu-la ali mesmo na sala, mas sem querer repetir o prato. Jandira, sem reparar na falta de apetite do rapaz, contou-lhe o seu plano de casar e ter um filho ainda naquele final de ano. Ao ouvir aquela confissão, o rapaz engoliu em seco e teve a incomoda sensação de que, de alguma forma, ela queria que ele fizesse parte daquela tramoia. Ele, entretanto, para não azedar a noite mais do que, para ele, já tinha se tornado indigesta, deixou para fazer qualquer comentário só antes de ir embora.

Ao se despedir, no final da noite, Eduardo Jorge, informou-lhe que também tinha um plano. O de nunca se casar nem aqui e nem na China. Desejo-lhe boa sorte, ele disse encabulado. Você está indo muito bem em seu plano. No ritmo que você vai, irá varrer todo o quinto e o sexto andar num piscar de olhos!


Salvador, 14 de outubro de 2014.


4 comentários:

Maria Luiza R.Camara disse...

kkkkkkkkkkkk e otimo!!

Maria Luiza R.Camara disse...

kkkkkkkkkkkk e otimo!!

Anônimo disse...

Cristiano,
Parece que o Eduardo é o próprio escritor, que continua sem casar e parece que nem na China vai acontecer.
É brincadeira, como sempre simples, elegante e engraçado são seus contos.
Um abraço, Paulo.

Sarnelli disse...


Cristiano,
passei pelo Face e vi a sua chamada. Há muito tempo que estava esperando alguma coisa sua no ar. Não perde o estilo .Parabéns.