quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Caixinha de Natal

Depois de muitos anos ausente do bairro do 2 de Julho, Fefeu voltou a frequentar o lugar onde nasceu e se criou, num sobrado na Rua do Sodré, próximo ao Beco do Mingau. Mas o retorno àquele lugar caótico e fedorento no centro da cidade, em nada tinha a ver com uma súbita necessidade de ele voltar às suas origens. O motivo era bem menos nobre que se imagina.
É que Fefeu redescobrira o amor nos braços e entre as pernas de Jandira, uma morena de curvas acentuadas e seios de se perder de paixão. Ela era vendedora na pequena loja onde ele costumava comprar a ração para o gato da esposa, cuja afeição desmesurada pelo felino substituíra a indiferença do marido. Nas idas frequentes ao estabelecimento comercial, o romance floresceu. Ela residia lá no 2 de julho.
Duas vezes por semana, então, Fefeu desviava-se do caminho para ir jogar dominó com os amigos para cumprir expediente no 2 de Julho, onde passava o resto da tarde no aconchego dos seios de Jandira. Em suas frequentes jornadas de paixão, ele nunca se descuidava de levar um doce para o filho de sua amada, um menino esperto de seis anos a quem prometera, caso ele não incomodasse enquanto a mamãe e o titio estivessem tendo uma “conversa de gente grande” enclausurados no quarto, um bonito brinquedo de presente de Natal.
Dois dias antes da véspera de Natal, ao chegar no 2 de julho, Fefeu lembrou-se da promessa ao garoto. Meteu a mão no bolso e tirou de lá uma nota de cinquenta que olhou com um pingo de desapontamento. Era tudo o que tinha, mas não ia decepcionar o garoto que provavelmente iria aprontar um fuzuê caso não ganhasse o tal brinquedo e, de lambuja, ainda iria ter de enfrentar o mal humor de Jandira que era capaz de negar os seus favores até que ele cumprisse a sua promessa. Estava decidido, ia comprar um brinquedo barato num bazar árabe que havia na Conceição da Praia, não muito distante dali.
Desviou do seu caminho para ir ver Jandira, que morava num apertado apartamento localizado na Rua do Areal de Cima, e foi para o comércio descendo a pé pela deserta Visconde de Mauá. Aquele contratempo certamente lhe subtrairia preciosa hora de prazer com a sua amada, mas ele contava ser depois recompensado em dobro por ela que certamente iria saber demonstrar o seu reconhecimento por sua atenção com o menino.
Quando já percorrera metade do caminho antes de alcançar a Ladeira da Preguiça, um vulto pulou inesperadamente à sua frente, sem que ele soubesse vindo de onde, de braços abertos, segurava numa das mãos um reluzente punhal.
— Fefeu! Ô, Fefeu! Você por aqui?
A cor sumira de sua face naturalmente lívida. De sua garganta saiu apenas um gemido.  Suas pernas começaram a tremer pelo efeito do susto. Quem era aquele negão enorme que sabia o seu nome?
— Ô, rapaz, não está me reconhecendo?  É Netinho. Quando a gente era moleque, a gente cansava de nadar lá na praia da Gamboa. Tá lembrado?
— Ah sim, claro. Netinho! – mesmo aliviado por ter encontrado um amigo de infância, suas pernas continuavam tremendo sem controle.
— Você voltou a morar no 2 de Julho? – Netinho perguntou com interesse.
— Nãaao, tô com uma nega que mora lá em cima...
— Ah, bom. E já se aposentou?
— Sim, este ano, graças a Deus. E Você está nessa vida, hein amigo?
— Pois é, rapaz, agente tem de se virar.... Olha, vou te dizer uma coisa: evite passar por estas bandas a esta hora, está muito perigoso andar por aqui.
— Sim, vou seguir o seu conselho. – disse Fefeu com um sorriso amarelo.
— Não vou levar nada seu, fique tranquilo. – escondeu a faca.
Fefeu suspirou aliviado embora suas pernas não parassem de tremer.
— Eu só vou te fazer um pedido que você não negara ao amigo. – disse Netinho abrindo um sorriso sedutor. – Contribua com a nossa caixinha de Natal.
Aquele inofensivo pedido soou como um banho de água fria em Fefeu. Logo quando ele já achava que ia escapar ileso daquela situação. Lembrou do menino abrindo um berreiro, a cara feia de Jandira lhe recriminando e, o pior de tudo, o jejum a que seria submetido. Só tinha aquele dinheiro. Entregou-o, a contragosto, ao amigo assaltante que ao ver a nota de cinquenta sorriu satisfeito.
— Tu sempre generoso. – disse ele. – Feliz Natal, amigo. Vá em paz.

Rio Vermelho, 24 de dezembro de 2014.




segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Viciada Em Sexo

A mãe era louca de pedra. Desde o divorcio, há mais de oito anos, tomara aversão ao sexo oposto. “Homem não presta”, repetia às três filhas pequenas incutindo-lhes aquele medo irracional. “Fiquem distante deles que só causam sofrimento.”
A separação foi provocada pelas infidelidades do marido, um incorrigível mulherengo, a quem ela amava tanto a ponto de fingir-se de cega. No final, mesmo assumindo uma postura resignada, ele a trocou por outra a metade de sua idade. Certo dia, ele simplesmente arrumou as malas e saiu dizendo assim: “vou ali comprar cigarro e não volto mais.”
O fim do casamento arruinou a sua vida. Deixou o trabalho, passava o dia prostrada sobre a cama ou sentada indiferente em frente da televisão. Descuidou-se das filhas. Quando, finalmente, tomou novamente as rédeas de sua vida, parecia que tinha ficado com um parafuso a menos. Seu comportamento era de gente que não era boa da cabeça.
O tempo passou, as filhas se tornaram belas moças. Mais um motivo para que ela se preocupasse. Ordenou ao porteiro do prédio onde residiam que não deixasse homem algum subir durante a sua ausência, nem mesmo entregador de pizza! Vigiava as filhas com obsessão para que não se envolvessem com aquela raça masculina. E não passassem pelo mesmo sofrimento pelo qual passou.
Tanta preocupação assim era querer mudar a natureza das coisas. Ora, as moças eram jovens e estavam naquela idade de desejar estar com rapazes. Querer impedi-las, era como tentar apagar uma fagulha assoprando-a, o efeito pode ser o oposto. A faísca torna-se brasa e depois vira fogo. As moças ficaram mais curiosas sobre o assunto.
A mais linda de todas as três filhas, era também a mais nova. Ela era a mais comunicativa e a que mais fazia amizades, notadamente com os rapazes do bairro, a quem concedia os seus favores sem maiores cerimônias. Ela tinha o estranho hábito de anotar num caderninho de capa cor de rosa, o nome e a data do rapaz com quem ficou, acrescido de um breve comentário sobre suas impressões: grande demais, meio torto, pequenininho. E sobre as suas habilidades na arte do amor: apressado, lerdo, carinhoso, estilo lenhador.
Já a do meio, não era tão levada quanto a caçula, mas era exímia na arte da dissimulação. Gostava de colecionar garrafinhas de shampoos que levava dos motéis por onde passava. E quase sempre pedia dinheiro emprestado que jamais era devolvido.
A mais responsável era a mais velha, a única que levara a sério os estudos e que se formara na faculdade. Por este feito brilhante, era o orgulho da mãe.
Certo dia, no entanto, ao bisbilhotar a bolsa da mais velha, cuidado que costumava ter com as três filhas indistintamente, tomou um susto ao encontrar entre as páginas de sua agenda, uma cartela de anticoncepcional. Aquilo a deixou indignada. A pesar de todos os seus cuidados e recomendações, a filha já estava se perdendo na luxúria!
A menina, ao chegar em casa, tomou um susto ao abrir a porta e encontrar a família, tios, tias e agregados, todos reunidos.
— Ué, quem morreu? – ela quis saber assustada.
— Eu chamei seus tios porque queremos ter uma conversa séria com você. – a mãe falou sem rodeios.
— Que conversa, minha mãe? Que foi que eu fiz, agora?
— Esta manhã, espanando a poeira do quarto, deixei cair sua bolsa. Algumas coisas se espalharam pelo chão. O que isto estava fazendo em sua bolsa? – gritou a mãe agitando a cartela de comprimidos em sua mão.
A menina perdeu a cor da face. E antes que encontrasse uma boa resposta, a mãe vociferou. Estava descontrolada. Parecia que o mundo vinha abaixo.
— Vejam, só, ela já está no anticoncepcional! Era só o que me faltava, minha filha diplomada na faculdade já está fazendo sexo por aí. E nem namorado ela tem. Ai meu Deus, eu tanto que falei para as minhas filhas ficarem longe dos homens e justamente a mais velha, a mais responsável, a que devia dar o exemplo, já está fazendo sexo! Meu Deus, aonde foi que eu errei? Minha filha esta transando por aí. Ai meu Deus, ela já está estragada. Menina, você vai ficar viciada em sexo! Isso não tem fim, depois que começa, fica querendo toda hora, isso é uma coisa que não sai mais da cabeça, olha o que eu te digo! Meus irmãos, – disse voltando-se para os irmãos, irmãs, cunhadas e cunhados, o circo todo – me ajudem a colocar juízo na cabeça dessa moça, se não, ela vira uma perdida na vida!
Enquanto falava sem fazer pausa para recobrar o folego, agitava dramaticamente os braços. Os cabelos crespos e prateados se desprenderam caindo sobre os ombros, emprestando ao espetáculo a cena de uma mulher ensandecida.
— Ora, mamãe, não seja ridícula. Se a senhora perdeu o tesão pelos homens, o meu está apenas começando! – disse tomando de volta as suas pílulas.
Naquela mesma noite, a mãe se trancou no quarto passando a chave como sempre fazia. E tirou de uma brecha por detrás da pia do banheiro, um grande objeto cilíndrico emborrachado de aparência desgastada pelo uso frequente e ao qual recorria varias vezes ao dia para aplacar os seus momentos de fúria.

Rio Vermelho, 07 de dezembro de 2014.