Rai
é a primeira a estar de pé, embora tenha dormido mal na noite passada. Ainda
assim, ela coloca na cara um sorriso e vai para cozinha aprontar o café da
família enquanto pensa no cardápio do almoço. A rotina de mais um dia começa pela
cozinha. Depois vai para a área de serviço onde limpa a sujeira do cachorro e coloca
em cada vasilha água e ração. Olha para cima e ao ver o céu azul límpido prometendo
mais um belo dia, uma sensação de otimismo invade o seu coração. O que fará para
o almoço, pergunta-se angustiada lembrando-se dos pedaços de frango congelados no
freezer. Este é apenas um dos seus grandes problemas do seu pequeno mundo.
Já
é quase sete horas e Marquinho ainda não levantou. Ela vai e bate na porta do
menino para que não se atrase para a escola. Em poucos instantes, o silêncio da
casa é quebrado pela movimentação de seus habitantes preparando-se para repetirem
a rotina do dia anterior. Sentam-se à mesa para comer a primeira refeição do
dia. Enquanto isto, Rai serve a um e a outro como num restaurante, vai buscar um
remédio que alguém deixou no quarto ou o óculos que ficou no gabinete. Alguém
quer ovos mexidos ou que esquente o leite. Um lhe pede que coloque café na
xícara. As pessoas estão sempre lhe pedindo alguma coisa que não lhes cairia pedaço
algum se elas mesmas o fizessem. Ela só terá tempo para tomar sossegada o seu
café da manhã depois que todos forem embora.
Se
você alguma vez ouviu a expressão “chupa cana e assobia”, pode imaginar o que é
começar a preparar o almoço ao mesmo tempo em que arruma camas, varre o chão,
limpa banheiros, coloca a roupa suja na máquina, passeia com o cachorro, tira a
poeira dos móveis da sala, prega um botão em uma camisa, água as plantas do
jardim, estende a roupa no varal, conversa muito ao telefone, termina de fazer
o almoço para servi-lo à família que já está de volta em casa tirando o seu
muito improvável sossego.
E enquanto
comem à mesa, não param de chamar seu nome e aí o inferno começa. Alguém pede
água gelada, outro quer o remédio. Ela atende a um e ao outro prontamente enquanto
escuta fragmentos da conversa. Ela gostaria de dar sua opinião, mas acha melhor
não passar por abelhuda, mesmo sendo considerada como membro da família. Depois
que todos comem ela recolhe os pratos e traz a sobremesa antes que lhe peçam.
Serviço
para fazer é o que não falta e quando faz, mais aprece. Mas o que lhe deixa
magoada é ninguém reconhece o seu trabalho, nunca ninguém repara quando a casa
está limpa e arrumada, só observam a poerinha num canto que a vassoura não passou
direito ou quando uma manga da camisa não ficou bem passada. Ela escuta com
atenção quando alguém vem choramingar nos seus ouvidos os seus problemas, até
arrisca a dar conselhos. Mas quem se importa em ouvir os seus?
Rai
trabalha como um animal achando que é quase como um membro da família e ao custo
de um salário mínimo por mês.
Rio Vermelho, 20 de setembro de 2015.
4 comentários:
Gostei do texto, Cristiano!
Você demonstra, no seu texto, um grande conhecimento de causa !Fiquei encantado ! Por acaso você, eventualmente , fez algum estágio para chegar a conseguir tanto conhecimento ? Gostei e estou pensando em contratá-lo. Por sm por mês, confere ? __++!
Este duro acabou, se continua é por ignorância ou por bondade excessiva.
Como sempre maravilhoso.
Um abraço, Paulo.
São muitas as "Rai" em nossa sociedade. Ao você descrever, muitos de nós, leitores, revisitamos cenas parecidas. Ainda precisamos transformar essa relação. Avançar nos direitos das empregadas domésticas é um passo importante. Parabéns, Cristiano. Você nos captura com a sua forma de narrativa.
Postar um comentário