sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

O Desejo de Ano Novo

Carmela tinha um importante compromisso no final daquela tarde e isto explicava a sua inquietação à medida que a hora se aproximava. Depois do trabalho, ela tinha uma hora marcada com mãe Joelma, cujas habilidades para ler os búzios, as cartas e o tarô, tirar mau-olhado, trazer a pessoa amada, trazer fortuna, resolver brigas de família ou no trabalho e muitas outras maravilhas eram anunciadas pelos postes e muros do bairro. Como fazia sempre às vésperas do ano novo, a caixa da Farmácia Pague-Bem queria ouvir da mãe-de-santo o que o futuro lhe reservava.

Mãe Joelma, que tinha uma memória de elefante, não apenas lembrava-se de Carmela, como também do futuro que lhe enxergara no ano anterior. Por isso, ela tinha sempre o cuidado de não repetir a mesma “visão” ao mesmo cliente. Assim sendo, quando a caixa sentou-se à sua frente com ares de quem aguardava boas notícias, apesar das manchetes dos jornais pintarem uma visão sombria do novo ano que batia à porta, ela já tinha uma ideia do que lhe diria.

No ano anterior, Joelma previu que Carmela ia ter muita saúde e que ela ia conhecer o homem de seus sonhos. De fato, tirando a dengue que pegou e a bursite que apareceu no braço esquerdo, no item saúde, tudo foi perfeito em 2015. Quanto ao homem de seus sonhos, há três anos que ela sonhava com ele, mas este nunca se materializava em carne e osso. O único espécimen do sexo oposto que lhe causou – e ainda lhe causava – alguma emoção naquele ano foi um assaltante que, ao  lhe apontar a arma, levou-lhe o caríssimo smartphone. Todo santo mês, quando pagava mais uma prestação do aparelho que nem mais era seu, não tinha jeito, lembrava-se do miserável com fúria no coração.

Naquele dia, Joelma foi mais cautelosa, disse à moça que ela continuaria trabalhando na farmácia, apesar do crescente aumento do desemprego no país e que ela dedicaria aquele ano para o seu crescimento interior. Não falou de homem dos sonhos algum desta vez, no entanto. Carmela ficou desapontada com aquela predição, ficaria mais contente em conhecer o homem de seus sonhos e dispensava de bom grado o crescimento interior. Pagou pela consulta e foi-se embora.

Antes de ir para casa, Carmela foi ao Shopping comprar um pijama, não que ela realmente precisasse de um. O motivo daquela despesa desnecessária era por uma razão maior: iria tentar uma simpatia que uma amiga lhe ensinara. Se dormisse todas as noites, a partir do primeiro dia do ano, com um pijama masculino, era garantido que arranjasse logo um homem.

Talvez o destino quisesse pregar uma pequena peça em Carmela ao conduzi-la para a única loja onde havia pijamas masculinos, mas que, para sua surpresa, só havia uma única peça disponível na prateleira. No instante em que ela pôs a mão no artigo, uma outra fez o mesmo rapidamente. Eu vi primeiro, o belo rapaz protestou. Eu só vou querer a parte de cima, ela disse. E eu só a de baixo, ele falou num tom de quem fechava um acordo pacificador. Bem, quem já viu filme assim, é capaz de imaginar o desfecho desta história.

Mal o ano começara e o sonho de Carmela se realizava graças a um pijama com o qual dividia com o homem de sua vida. E aquela história de crescimento interior que lhe disse mãe Joelma, foi uma “visão” mal interpretada pela mãe de santo ao ler os búzios, o que aconteceu realmente foi que o rapaz faturou Carmela logo de primeira e lhe fez um filho na virada do ano novo, foi este o seu crescimento interior!

Rio Vermelho, 1 de janeiro de 2016.




4 comentários:

Sarnelli disse...

Começou bem o ano. Logo no primeiro dia uma postagem de leitura faácil e interessante. Você é mestre neste tipo de coisa. Parabéns.

Anônimo disse...

Muito boa, Cris, Feliz Ano Novo.... Estou precisando ir a uma loja de pijamas kkkk

Anônimo disse...

Hahaha gostei muito, Feliz Ano Novo, meu caro!
Henrique Fenocchio

Anônimo disse...

Como sempre muita imaginação no crescimento.
Um grande abraço neste inicio de ano, Paulo