Carmela tinha um importante compromisso no final daquela
tarde e isto explicava a sua inquietação à medida que a hora se aproximava. Depois
do trabalho, ela tinha uma hora marcada com mãe Joelma, cujas habilidades para
ler os búzios, as cartas e o tarô, tirar mau-olhado, trazer a pessoa amada, trazer
fortuna, resolver brigas de família ou no trabalho e muitas outras maravilhas eram
anunciadas pelos postes e muros do bairro. Como fazia sempre às vésperas do ano
novo, a caixa da Farmácia Pague-Bem queria ouvir da mãe-de-santo o que o futuro
lhe reservava.
Mãe Joelma, que tinha uma memória de elefante, não
apenas lembrava-se de Carmela, como também do futuro que lhe enxergara no ano
anterior. Por isso, ela tinha sempre o cuidado de não repetir a mesma “visão” ao
mesmo cliente. Assim sendo, quando a caixa sentou-se à sua frente com ares de
quem aguardava boas notícias, apesar das manchetes dos jornais pintarem uma visão
sombria do novo ano que batia à porta, ela já tinha uma ideia do que lhe diria.
No ano anterior, Joelma previu que Carmela ia ter muita
saúde e que ela ia conhecer o homem de seus sonhos. De fato, tirando a dengue
que pegou e a bursite que apareceu no braço esquerdo, no item saúde, tudo foi
perfeito em 2015. Quanto ao homem de seus sonhos, há três anos que ela sonhava
com ele, mas este nunca se materializava em carne e osso. O único espécimen do
sexo oposto que lhe causou – e ainda lhe causava – alguma emoção naquele ano foi
um assaltante que, ao lhe apontar a arma,
levou-lhe o caríssimo smartphone. Todo santo mês, quando pagava mais uma
prestação do aparelho que nem mais era seu, não tinha jeito, lembrava-se do miserável
com fúria no coração.
Naquele dia, Joelma foi mais cautelosa, disse à moça que
ela continuaria trabalhando na farmácia, apesar do crescente aumento do desemprego
no país e que ela dedicaria aquele ano para o seu crescimento interior. Não falou
de homem dos sonhos algum desta vez, no entanto. Carmela ficou desapontada com
aquela predição, ficaria mais contente em conhecer o homem de seus sonhos e
dispensava de bom grado o crescimento interior. Pagou pela consulta e foi-se embora.
Antes de ir para casa, Carmela foi ao Shopping comprar
um pijama, não que ela realmente precisasse de um. O motivo daquela despesa desnecessária
era por uma razão maior: iria tentar uma simpatia que uma amiga lhe ensinara.
Se dormisse todas as noites, a partir do primeiro dia do ano, com um pijama masculino,
era garantido que arranjasse logo um homem.
Talvez o destino quisesse pregar uma pequena peça em
Carmela ao conduzi-la para a única loja onde havia pijamas masculinos, mas que,
para sua surpresa, só havia uma única peça disponível na prateleira. No instante
em que ela pôs a mão no artigo, uma outra fez o mesmo rapidamente. Eu vi
primeiro, o belo rapaz protestou. Eu só vou querer a parte de cima, ela disse.
E eu só a de baixo, ele falou num tom de quem fechava um acordo pacificador.
Bem, quem já viu filme assim, é capaz de imaginar o desfecho desta história.
Mal o ano começara e o sonho de Carmela se realizava
graças a um pijama com o qual dividia com o homem de sua vida. E aquela
história de crescimento interior que lhe disse mãe Joelma, foi uma “visão” mal
interpretada pela mãe de santo ao ler os búzios, o que aconteceu realmente foi
que o rapaz faturou Carmela logo de primeira e lhe fez um filho na virada do ano
novo, foi este o seu crescimento interior!
Rio Vermelho, 1 de janeiro de 2016.
4 comentários:
Começou bem o ano. Logo no primeiro dia uma postagem de leitura faácil e interessante. Você é mestre neste tipo de coisa. Parabéns.
Muito boa, Cris, Feliz Ano Novo.... Estou precisando ir a uma loja de pijamas kkkk
Hahaha gostei muito, Feliz Ano Novo, meu caro!
Henrique Fenocchio
Como sempre muita imaginação no crescimento.
Um grande abraço neste inicio de ano, Paulo
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