sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Pedido a Iemanjá

Dolores saiu de casa mais cedo naquela bela manhã ensolarada. Vestia-se de branco da cabeça aos pés e ainda nem era dia de Oxalá.  Antes de seguir rumo ao trabalho, no entanto, ela foi cumprir uma pequena obrigação. No caminho, cruzou com centenas pessoas pelas as ruas do Rio Vermelho que seguiam na mesma direção, alegres, carregavam à mão ramalhetes de flores perfumadas. Dolores lembrou que precisava fazer o mesmo, parou num vendedor ambulante, havia centenas deles espalhados pelas vias, e comprou um ramo de rosas brancas. Era 2 de fevereiro, dia de Iemanjá.

Ao chegar ao seu destino, ela encontrou uma longa fila que se estendia desde o abrigo que foi erguido ao lado da igreja de Santana para receber as oferendas à Iemanjá. A fila se prolongava ao longo da balaustrada sem que ninguém demonstrasse pressa ou aborrecimento por estar sob o sol forte, afinal era dia de festa no mar. Para minorar os rigores calor, Iemanjá mandou soprar uma suave brisa sobre os seus admiradores. Dolores correu para pegar o final da fila temendo que esta duplicasse de tamanho em poucos instantes.

O seu pedido a Iemanjá era o mesmo do ano passado. Ela pedia para ser agraciada com um homem, um espécimen masculino só para ela. Queria que o moço lhe aplacasse a solidão, a carência afetiva, a falta de um abraço forte e de um beijo duradouro, e balançasse as suas noites com o seu ronco estridente ao seu lado. Ela considerava o seu pedido singelo e ansiava para que daquela vez fosse atendido.

A pessoa que estava logo à sua frente na fila era um homem gordinho como ela. Ele virou-se para cumprimentá-la e o fez efusivamente. Ele demonstrou reconhece-la, apesar de ela não se lembrar dele.

— Cá estamos nós novamente, na mesma fila e no mesmo lugar, já é om terceiro ano que nos encontramos! – ele disse com um largo sorriso.

— Sim, todos os anos eu venho prestar a minha homenagem. – ela disse por dizer.

— Eu sempre faço um pedido. – ele segredou.

— Eu também. – disse com um sorriso forçado.

— Este ano eu trouxe um perfume para variar. Vamos ver se ela vai me atender.

Dolores arrependeu-se de não ter feito o mesmo. Ela sempre ofereceu flores, talvez Iemanjá desejasse algo diferente dela. Subitamente e sem motivo algum, ela passou a sentir raiva daquele rapaz de ar ingênuo. A ideia de que alguém fora mais criativo que ela a desagradou. No entanto, o pobre rapaz se desdobrava para ser simpático, afinal ele pedia à Iemanjá uma namorada e aquela poderia ser a sua chance.

Quando chegou a vez dele deixar o seu presente no balaio de oferendas, ele o fez fazendo uma pequena prece para que Iemanjá trouxesse felicidade ao seu coração solitário e ao invés de ir embora logo em seguida, ele ainda esperou por Dolores, queria lhe falar. Ele precisou juntar coragem para fazer o que estava prestes a fazer.

— Eu gostaria de manter contato, poderia me dar o seu nome para que eu a adicionasse à minha lista de amigos no Facebook?

— Desculpa, mas eu só adiciono amigos muito próximos. – ela respondeu secamente.

Ele ficou desapontado e se foi embora.

Por mais que Iemanjá tentasse atender ao pedido de Dolores, ela cegamente o recusava. Talvez ela imaginasse algum tipo de milagre ou que o seu homem viesse trazido pela maré e jogado na praia.


Rio Vermelho, 11 de fevereiro de 2016









  


3 comentários:

Carollini Assis disse...

Cris, bacana! Gostei da fluência textual, crônicas me arrebatam. Beijos

Sarnelli disse...

Cristiano , você foi espetacular . Como eu não tive essa ideia antes de você , pô ?

crônicas & letras disse...

Passei aqui. Bons textos. Parabéns.

Norton Ferreira.