quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Pedido de Casamento

Esta tarde recebi um pedido inusitado. Não o pedido de casamento que leva o título da crônica. O rapaz se aproximou enquanto eu, sentado na balaustrada próxima à quadra de futebol observava os passantes. Com a voz tímida de quem não queria incomodar, ele carregava uma pequena caixa azul com uma alça presa ao pescoço
.
— O senhor compra uma trufa de chocolate pra me ajudar a fazer o meu pedido de casamento?

Respondi que estava sem dinheiro. E era verdade. Quase não carrego dinheiro comigo quando saio pelas vizinhanças, contrariando a orientação da Segurança Pública que sugere ao cidadão levar sempre consigo pelo menos uma nota de cem além de um aparelho smartphone de boa qualidade para dar ao ladrão em troca de sua vida. Não costumo sair também levando o celular comigo, razão pela qual nunca fui assaltado. Assaltante é como cão de caça, tem faro apurado e sente o cheiro de um bom smartphone e uma nota de cem a metros de distância. O rapaz humildemente agradeceu minha atenção e se afastou.

No entanto não tive certeza de ter entendido bem o seu pedido incomum, acho que fiquei fascinado com a ideia. Ele já estava mais adiante abordando uma moça sentada também na balaustrada. Aproximei-me e expliquei ao jovem a minha curiosidade. De boa vontade, ele contou que queria fazer o pedido de casamento à sua namorada e precisava de dinheiro para comprar o anel de noivado e fazer uma pequena celebração, queria que a ocasião fosse impactante, segundo suas palavras.

Fiquei comovido com a sua perseverança e com aquela demonstração de amor que imaginei que a moça a merecesse. Achei as suas intenções pueris. Desconheço os rituais de um pedido de noivado ou de um casamento, mas sei que ambos custam tão caros quanto pedir o divórcio depois. Aliás, o casamento é uma instituição cara e mesmo assim as pessoas preferem fazê-lo mesmo que as estatísticas apontem que as chances de ele terminar em divórcio são tão prováveis como ter o celular roubado em plena luz do dia em local público. A trufa de chocolate custava apenas dois Reais e imaginei desanimado quantas ele precisaria vender para pelo menos comprar o anel de noivado. Eu gostaria de contribuir, mesmo não sendo um entusiasta de casamentos, mas acredito no amor e aquele jovem tinha encontrado o dele. Olhei para os lados procurando os conhecidos que eu sempre encontrava em meu passeio diário pela orla, eles haveriam de me emprestar nem que fosse apenas dois Reais para comprar a trufa do rapaz e assim contribuir com aquela comemoração impactante que ele vinha sonhando. Frustrado, não vi ninguém. Agradeci a sua explicação e disse que ainda sim eu estava sem dinheiro e lhe desejei sucesso em sua jornada. Afastei-me chateado por não ter um tostão no bolso num momento tão especial como aquele.

Enquanto eu me afastava pensativo, lembrei que eu estava numa situação semelhante, pedindo dinheiro aqui e acolá, metido numa campanha de financiamento coletivo para levantar grana para publicar o meu romance de estreia. Os amigos estavam contribuindo e eu descobri que eu tinha mais amigos do que eu imaginava. Tive uma ideia. Esboucei um sorriso de satisfação e procurei o rapaz que já atravessava a avenida a caminho do Largo de Santana.

Ei, psiu! Você, mesmo. Perguntei a ele se sabia o que era financiamento coletivo e, com sua negativa, abri-lhe as portas de uma outra forma de ele conseguir a grana para pedir a mão de sua amada e de impressioná-la para o resto da vida com uma bonita festa. É bem piegas esta coisa toda, mas é que eu ando com um puta sentimentalismo ultimamente. É como disse o poeta: Eu não devia te dizer,/ mas essa lua/ mas este conhaque/ botam a gente comovido como o diabo.*

Rio Vermelho, 14 de setembro de 2016.


                                                                                                       * Drummond, em Poema das Sete Faces




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