O velho tinha idade para já ser
bisavô de alguém. De fala mansa e conciliadora como se espera dos anciãos, o
caminhar era a passos curtos e fraquejados, denunciando os muitos anos
percorridos. Na mão, a bengala na qual se apoiava era um cigarro com a ponta
sempre brilhando, o seu companheiro fiel de longuíssima data. Orgulhava-se de
fumar desde criança e de ainda estar vivo, apesar de a ciência condenar fumantes
inveterados como ele à passagem para o além prematuramente. Ele simplesmente
adorava fumar, sentir a fumaça arder-lhe os pulmões e expeli-la para fora como
a chaminé de uma fábrica antiquada. Todos no bairro o conheciam, conversava com
um e com outro, só sabia fazer amigos e amigos não lhe faltavam.
Certo final de tarde, ele
chegou em casa de seu passeio diário ao longo do calçadão da praia, estava
visivelmente mal humorado e transtornado. O filho ficou surpreso, não se lembrava
de ter visto o pai alguma vez daquele jeito.
— É por isso que as coisas
acontecem. – resmungou o velho irritado.
— O que foi, meu pai? Porque o
senhor está assim desse jeito? Que foi que aconteceu?
— Um sujeito veio se meter com
a minha vida!
— Que sujeito? Quem foi?
— Um sujeito aí. – respondeu o
velho bufando de raiva depois de dar uma tragada.
— Não tem nome?
— Depois se eu pico a mão na
cara do cidadão, vão me chamar de violento, vão dizer que eu sou isso e aquilo,
vão procurar frescura comigo. – disse o velho soltando fumaça pelo nariz feito
um dragão enfurecido.
— Quem foi?
— Eu não me meto na vida de
ninguém e também não quero que se metam na minha. – vociferou com o dedo em
riste. – Se quem me botou no mundo, nunca me proibiu de fazer nada, por que um
Zé Ninguém vem tomar liberdade comigo?
— Mas, meu pai, quem foi que te
deixou assim tão puto da vida?
— Um cara aí na rua. – o velho
respondeu quase voltando a si.
— Não tem nome?
— Não sei o nome.
— É alguém aqui do bairro?
— Nunca vi antes na vida!
— Então uma pessoa que o senhor
não conhece o aborreceu?
— O desgraçado veio se meter em
minha vida, eu nunca lhe dei ousadia. Olha, eu juro que me deu vontade de dar
um tabefe naquele fedelho!
— Calma pai, que o senhor não
está mais na idade de dar porrada em ninguém; logo o senhor, uma pessoa tão
sensata...
— Pra você ver o estado que
este moleque me deixou. Eu não me meto na vida de ninguém, muito menos de
desconhecido.
— Mas o que foi que este cara, que
o senhor nem sabe quem é, lhe disse para lhe provocar tanta fúria?
— Ele veio pra mim com uma voz
abestada e disse – imitando a voz abestada – “Pare de fumar, cigarro mata!” Olha,
eu fumo desde os onze anos e ainda vou enterrar aquele imbecil! – disse
finalmente o velho expelindo fumaça pelo nariz.
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Rio Vermelho, 19 de
outubro de 2016.
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