sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Não se meta com o velhinho!

O velho tinha idade para já ser bisavô de alguém. De fala mansa e conciliadora como se espera dos anciãos, o caminhar era a passos curtos e fraquejados, denunciando os muitos anos percorridos. Na mão, a bengala na qual se apoiava era um cigarro com a ponta sempre brilhando, o seu companheiro fiel de longuíssima data. Orgulhava-se de fumar desde criança e de ainda estar vivo, apesar de a ciência condenar fumantes inveterados como ele à passagem para o além prematuramente. Ele simplesmente adorava fumar, sentir a fumaça arder-lhe os pulmões e expeli-la para fora como a chaminé de uma fábrica antiquada. Todos no bairro o conheciam, conversava com um e com outro, só sabia fazer amigos e amigos não lhe faltavam.

Certo final de tarde, ele chegou em casa de seu passeio diário ao longo do calçadão da praia, estava visivelmente mal humorado e transtornado. O filho ficou surpreso, não se lembrava de ter visto o pai alguma vez daquele jeito.

— É por isso que as coisas acontecem. – resmungou o velho irritado.

— O que foi, meu pai? Porque o senhor está assim desse jeito? Que foi que aconteceu?

— Um sujeito veio se meter com a minha vida!

— Que sujeito? Quem foi?

— Um sujeito aí. – respondeu o velho bufando de raiva depois de dar uma tragada.

— Não tem nome?

— Depois se eu pico a mão na cara do cidadão, vão me chamar de violento, vão dizer que eu sou isso e aquilo, vão procurar frescura comigo. – disse o velho soltando fumaça pelo nariz feito um dragão enfurecido.

— Quem foi?

— Eu não me meto na vida de ninguém e também não quero que se metam na minha. – vociferou com o dedo em riste. – Se quem me botou no mundo, nunca me proibiu de fazer nada, por que um Zé Ninguém vem tomar liberdade comigo?

— Mas, meu pai, quem foi que te deixou assim tão puto da vida?

— Um cara aí na rua. – o velho respondeu quase voltando a si.

— Não tem nome?

— Não sei o nome.

— É alguém aqui do bairro?

— Nunca vi antes na vida!

— Então uma pessoa que o senhor não conhece o aborreceu?

— O desgraçado veio se meter em minha vida, eu nunca lhe dei ousadia. Olha, eu juro que me deu vontade de dar um tabefe naquele fedelho!

— Calma pai, que o senhor não está mais na idade de dar porrada em ninguém; logo o senhor, uma pessoa tão sensata...

— Pra você ver o estado que este moleque me deixou. Eu não me meto na vida de ninguém, muito menos de desconhecido.

— Mas o que foi que este cara, que o senhor nem sabe quem é, lhe disse para lhe provocar tanta fúria?

— Ele veio pra mim com uma voz abestada e disse – imitando a voz abestada – “Pare de fumar, cigarro mata!” Olha, eu fumo desde os onze anos e ainda vou enterrar aquele imbecil! – disse finalmente o velho expelindo fumaça pelo nariz.


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Rio Vermelho, 19 de outubro de 2016.









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