Ao entrarem na pequena sala onde Irani jazia velada,
os amigos mais próximos faziam uma expressão de surpresa e, em seguida, sucumbiam
à gargalhada, causando indignação nos outros presentes. Depois lembravam que deviam
estar num velório e tentavam manter uma expressão pesarosa em respeito à
defunta. Irani repousava num caixão de primeira, ornado com margaridas amarelas
como foi de seu desejo, vestida com o vestido de noiva e com uma coroa de
minúsculas margaridas brancas ao redor da cabeça. As mãos pousavam sobre o
peito farto segurando um rosário de madrepérola e a expressão de seu rosto
levemente maquiado era serena como de alguém que estivesse apenas dormindo. Irani
estava finalmente realizando um desejo muito antigo e inusitado, ter seu próprio
velório ainda viva.
Desde adolescente, ela sonhava com aquele momento lúgubre
e finalmente o estava realizando, contrariando o esposo que achava aquilo uma
brincadeira de mau gosto. “Vai que tu não se levanta mais do caixão, vou ficar viúvo
antes do tempo, e tudo por causa de sua teimosia!”
Os pais de Irani só mudaram de ideia e passaram a
apoiar aquela maluquice quando a moça saiu de casa. Agora é um problema do
marido, lavaram as mãos. Os amigos estavam divididos. Uns achavam que aquilo
era um mau agouro e podia se tornar realidade. Outros que a amiga estava com um
parafuso a menos. E alguns queriam vê-la realizar o seu sonho, ainda que bizarro.
— Que doideira é essa, dona Irani? – disse o único
vendedor de caixão da cidade. – Onde já se viu velar uma viva? Velório é coisa
séria!
Irani precisou de quatro anos para convencê-lo de seus
nobres propósitos, não queria morrer sem realizar o seu desejo, não que ela
estivesse doente ou já próxima da data da partida; pelo contrario, ela era jovem
e saudável feito uma rocha. E a cada nova tentativa, sempre uma negativa do
agente funerário. “Isso dá mau agouro!”, “Vai que tu não levanta mais do
caixão!”, “Mas que moça insistente!” E foi graças à sua insistência, que o
agente funerário um dia cedeu. Não se deve contrariar quem tem um parafuso a
menos, ele justificou.
O agente funerário, até fez um gesto generoso,
emprestou o melhor caixão da loja, ornamentou-o sem cobrar nenhum centavo. No
final, ficou tão entusiasmado que mandou vir carpideiras para chorar pela
defunta. Até o padre entrou na brincadeira e foi rezar para a morta fazer uma
boa travessia; dizem as más línguas que cobrou caro por aquela passagem! Irani que
sonhava com um velório de primeira, providenciou bebida e comida farta para todos;
o velório tinha mais gente que em festa de aniversário de político. Um desconhecido,
penetra de velórios e bocas livres, envolto em vapores etílicos, fez um
emocionado discurso enaltecendo as qualidades e virtudes da falecida. Ele falou
bonito e usou palavras difíceis que nem ele e nem os presentes sabiam o
significado. Irani perdeu esta parte, pois caiu no sono. Os convivas beberam e refestelaram-se
tanto que esqueceram que a defunta não tinha morrido de verdade. Alguém lembrou
que já era hora de fechar o caixão. Emocionados, carregaram o esquife pelas
ruas da cidade fazendo um longo cortejo, moradores que não tinham comparecido
ao velório perfilavam-se ao longo das vias em sinal de respeito, os homens
tiravam o chapéu. E já no cemitério, tudo foi feito como manda o figurino,
Irani foi sepultada a sete palmos. Depois, cada um foi para casa curar a
ressaca.
Rio Vermelho, 8 de novembro de 2016.
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