O rapaz humilde subiu para o ônibus pela porta dianteira
para não ter que pagar a passagem, numa ensolarada manhã. O dia estava quente,
e não havia mais vestígios da tremenda chuva que aterrorizara a cidade dois
dias antes. Pelo contrário, o dia começara com um mormaço mal humorado que se
infiltrava entre as pessoas, principalmente daquelas que usavam o transporte
público, era como viajar dentro de uma quentinha para cá e para lá. Para a
satisfação dos passageiros, entretanto, aquele ônibus não estava cheio, havia
cadeiras vazias.
Mas voltando ao rapaz. Ele chamou a atenção dos
passageiros, cumprimentando a todos com a voz quase sumida de vergonha. Em
seguida, ele disse o nome, chamava-se Gabriel, como o anjo, e que vinha do
interior. Pedia uma ajuda financeira para comprar uma passagem de volta para o
seu interior. Até ai, nenhuma novidade. Uma típica viagem de ônibus metropolitano,
inclui a entrada, ao longo do trajeto, de um vendedor de água gelada, outro de canetas
baratinhas, alguém pedindo doação para um centro de reabilitação de drogados, um
cego, um poeta, um cantor, um baleiro oferecendo doces e salgadinhos, como o passatempo
da viagem. Podem ter certeza, todos estes entrarão no ônibus em algum momento do
dia. Mas o nosso Gabriel não tinha nada para oferecer além de ar puro!
Aliando-se aos maus-tratos do calor, um mau-cheiro
inundou aquele ônibus. Um odor nauseabundo e intolerável. A inconfundível
catinga de alguém que não tomava um bom banho há dias. A brisa que entrava
pelas janelas abertas do transporte não refrescava o veículo, ao contrário,
servia para disseminar aquele fedor democraticamente entre os desafortunados passageiros.
E cada um se defendia como podia, faziam caretas de nojo e reprovação, uns
cobriam o nariz e a boca com a mão, outros puxavam para cima a gola da camisa para
usar como máscara, outros se abanavam. A origem daquele tormento estava no
jovem Gabriel, o rapaz que pedia uma grana para voltar para a sua cidade,
cheirava como um gambá. Talvez a sua incursão pela capital, em busca de uma
oportunidade, tivesse sido um desastre, e o pobre rapaz nem teve sequer a
chance de tomar um banho. Vindo de uma pequena comunidade onde talvez fosse
alguém, ele só não passou invisível por causa de seu mau-odor. Qualquer um que
chegasse à sua pequena cidade natal, seria acolhido com hospitalidade. E se por
uma desventura, o visitante precisasse de um banho, não lhe faltaria um
chuveiro com sabão e toalha limpa. Mas tudo é diferente num grande centro
urbano, falta o olhar para o outro com solidariedade, é cada um por si.
Gabriel era um rapaz asseado, nunca deixava de tomar
banho e vestir roupa limpa. Aquele seu estado momentâneo tirou-lhe o brilho, roubou-lhe
a autoconfiança e a dignidade, fez sentir-se menor de tamanho. Talvez estivesse
morando nas ruas desde então. Na Salvador, a capital da alegria. Mas ele estava
triste, só queria voltar para a sua cidade.
Um cidadão sentado num banco do ônibus também se
sentia incomodado. Não pelo terrível cheiro do Gabriel, mas por sua humilhação.
Também viera do interior e recordou no rapaz as dificuldades que também
vivenciara ao chegar na capital para tentar uma vida nova. Seus olhares se
encontraram e foi como um chamado. Gabriel se aproximou até onde o outro estava
sentado. Em sua trajetória, provocou caretas por causa de seu cheiro peculiar.
— Tome aqui esse dinheiro para sua passagem. –
disse-lhe o homem. – E mais este outro para você tomar um banho na Rodoviária,
para deixarem você embarcar. Boa sorte.
O rapaz agradeceu com os olhos marejados de gratidão. Uma senhora
deu-lhe mais algum dinheiro para uma merenda. No ponto seguinte ele desceu, e
todos respiraram aliviados.
Rio Vermelho, 13 de abril de 2017
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