sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

A Fraude Verdadeira

Ufa! Finalmente consegui fazer o tal do cadastramento biométrico. Aquilo que fazemos corriqueiramente nos bancos, para substituir a senha pela leitura digital do dedo. Nos bancos privados isto se faz em menos de cinco minutos com a ajuda de um único funcionário – sem que para isto seja necessário agendar dia e hora – depois de esperar de pé na fila onde outros serviços bancários são prestados a outros clientes. Como é um troço que envolve segurança bancária e dinheiro, pode-se imaginar o rigor com que é a coisa é feita, para que não haja fraudes.

Já no serviço público, dá para se imaginar a zorra que aquilo é, não há forma mais apropriada para descrever. Para o mesmo procedimento, que tão rapidamente se faz num banco, o excesso de burocracia, ineficiência, falta de bom senso e quantidade de mão de obra empregada, explica porque a máquina do governo é tão mal administrada e dispendiosa, – ou talvez eu esteja sendo ingênuo, e não percebi que o grande esquema esteja nos gastos para este cadastramento biométrico, seu cheiro azedo faz lembrar das obras com a copa do mundo e das olimpíadas. – com a desculpa de que isto se faz necessário para garantir eleições seguras e limpas. No entanto, fazer o tal cadastramento tem sido um castigo, uma piada de mal gosto imposta a milhares de cidadãos.

A maior dificuldade está em agendar a ida ao posto de recadastramento que, em Salvador, só pode ser feito pela internet. Quem já fez isso, percebeu que não é como dar um passeio no parque, é preciso paciência, persistência e tempo de desocupado. Fiquei horas seguidas durante dias, fazendo intermitentes tentativas até aparecer um horário disponível só para fazer o agendamento. Aí quando surge na tela do computador um horário disponível, temos de ser rápidos na disputa por quele horário com outros incautos internautas que estão do outro lado, na mesma corrida. Perdi duas vezes, para minha frustração, mas na terceira, eu já estava mais esperto, e consegui! Não foi uma tarefa fácil, para mim que disponho de um computador e internet. Fico imaginando como deve ter ser para aqueles que não têm uma coisa e nem outra, e cuja ida ao local de cadastramento é uma despesa que pesa no orçamento minguado. Este detalhe, o burocrata, tão distante da realidade de seu próprio país, desprezou.

O local onde fui fazer a biometria merece um paragrafo à parte. Era um lugar sórdido, parecia um curral humano onde as pessoas se espremiam de pé desde cedo pela manhã, onde imperava o caos, a indignação e o mal humor diante de funcionários públicos apáticos. Um senhor que também estava lá para fazer o seu cadastramento, esbravejou revoltado e fez um discurso inflamado sobre o tratamento desumano que as pessoas estavam sendo submetidas e, no final, levou um monte de aplausos. Temi por um quebra-quebra, mas não houve nenhum, pois como já sabemos, baderna é coisa encomendada e paga, e as pessoas que estavam ali foram voluntariamente.

Quando finalmente fui atendido, e passado por todo aquele processo digital sofisticado – foto digital, assinatura digital e coleta das digitais de cada dedo, ai veio a grande piada do dia, recebi mais uma carteirinha impressa em papel, mais uma que não terá utilidade alguma, além de se juntar às outras eleitorais que já tenho guardadas na gaveta, um verdadeiro monumento à burocracia e à insensatez.

Não acho que o que estamos precisando de um sistema de votação de nação superdesenvolvida. É até um acinte para o eleitor humilde – a grande maioria dos eleitores – ser obrigado a sair de sua casa para votar, utilizando um tal sofisticado sistema, quando ele próprio mora num lugar onde não chegou ainda ao século XIX, portanto sem saneamento básico, segurança e transporte regular. Todo este cadastramento biométrico não passa de uma dispersão para desviar nossa atenção do verdadeiro problema. A grande fraude das nossas eleições não está no voto, esta já vem embutida no próprio sistema eleitoral, permissivo ao ingresso de candidatos com desvios de caráter, verdadeiras frutas podres no cesto; um sistema viciado para reeleger sem votos políticos largamente conhecidos por sua conduta desonesta e amoral, mas que eleição após eleição jamais conseguimos nos livrar deles. Estamos precisando, sim, de candidatos de caráter superdesenvolvidos e que depois de eleitos não se revelem uma fraude eleitoral.


Rio Vermelho, 12 de janeiro de 2018.

3 comentários:

Sarnelli disse...

Concordo consigo e ainda digo mais : todo este sofrimento imposto aos eleitores , cheira a chantagem ! Pior ainda, vai dar em pizza ! Eu não me recadastrei e acho que não preciso. Mesmo que precisasse , não o faria. Passei dos 86. Por que irei votar nos ladrões de sempre que, de umas forma ou de outra, utilizando o sistema, conseguem voltar ao congresso ? Nosso país ´pe uma vergonha ...

Anônimo disse...

Oi Cris!

Concordo com Vc, apesar de fazer um aparte... o povo só deixa tudo pra ultima hora affff
Mas o difícil mesmo é achar um politico que pense no povo do começo ao fim do mandato...
Bjs
Ivana Braga Souza

Anônimo disse...

Muito bom e muito bem!
Helder Pires