quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Estou de volta

Estive ausente nesses tempos de pandemia, mas longe de me juntar à horda dos vitimados, consegui chegar até aqui são e salvo, sem nunca dar um espirro. E antes que pergunte, sim, tomei todas as doses e tomarei tantas outras quanto forem inventadas. Não tenho medo de morrer, o ruim não é morrer, mas como se morre, e morrer feito um peixe fora d’água deve ser ruim pra caramba!

Quando a ficha finalmente caiu e me convenci de que a pandemia viera para valer, tomei todos os cuidados necessários depois de ler artigos a respeito, uma vez que a maior arma é a informação. Mantive distância das pessoas, passei a carregar no bolso um frasquinho de álcool em gel, até deixei de frequentar o vizinho, para a habitual cervejinha nas manhãs de sexta-feira e domingo. Mas o hábito de ler ao ar livre não abandonei, eu precisava me ater a algo para manter a minha sanidade mental, continuei saindo todos os finais de tarde e me sentava sozinho num banco de madeira em frente ao mar, no mirante da Paciência, ou no largo da Mariquita, ambos desertos; estabeleci um perímetro do qual não deveria me afastar e o único lugar onde encontraria mais gente circulando que me permiti ir foi ao mercado, nada de pegar transporte público, ônibus ou táxi, não saí do Rio Vermelho para nada durante um ano. Você está livre para me julgar um imprudente, mas é que tive o seguinte raciocínio: o fato de as pessoas terem ficado reclusas, tornou os lugares públicos quase desertos e isto fez eu me sentir seguro para sair, afinal não haveria gente para chegar perto de mim, até os ocasionais pedintes sumiram. Aí veio o lockdown.

Resolvi deixar de ser teimoso, pelo menos por algum tempo, e me tranquei em casa. Li e escrevi bastante. Se ficar confinado em uma casa de 400m2 foi desagradável, imagine a tortura que deve ser ficar preso em uma cela de presídio. Isso me fez acreditar que o maior castigo para o homem – e por que não também para o animal? – é o tolhimento à sua liberdade. Aproveitei para mergulhar na leitura e escrever, li e escrevi bastante e, na mesma medida, os serviços de revisão textual começaram a escassear juntamente com o dinheiro, só não foi pior porque não me faltaram amigos nessa hora e a eles sou eternamente grato. Resolvi experimentar novos gêneros, escrevi um conto pandêmico, um livro com sete histórias de assombração e uma história de fantasia, comecei outras quatro histórias que espero algum dia terminar, talvez em na próxima pandemia!

Ao cabo de um mês dentro de casa, eu já sabia que aquilo não ia durar muito – a final, viver em família já não é uma coisa boa, e estar confinado a ela é um inferno –, então pus a cabeça para fora de casa, e depois o corpo inteiro. Desta vez o uso da máscara era obrigatório, então nunca saí de casa sem ter uma na cara, até fiquei bonito com ela, com um olhar misterioso. Já era abril e chovia bastante, eu sentava no mesmo banco no mirante em frente ao mar, enfrentando a ventania de um outono fora de época, depois que a chuva dava uma trégua, e observava o mar, cuja água revolta se tornara um breu cinzento juntamente com o céu, e me perguntava se ele tinha sido infectado pelo vírus maligno. Eu ia para aquele recanto não apenas para me de trair lendo, mas para também remoer a minha tristeza, não bastasse as milhares de vidas perdidas, de outras tantas acometidas do vírus e a caminho do mesmo inexorável fim, havia a indiferença e ignorância da autoridade máxima do país. Tivemos muitos governantes canalhas, como é próprio da natureza de nossos políticos, mas numa imaginei uma besta humana da magnitude que ora desgoverna o país.

Talvez a tristeza e a falta de rumo em que me encontrava me fizeram interromper o hábito de escrever histórias para o blog, afinal, a observação de pessoas, o motor principal que motiva a minha atividade literária, estava escondida dentro de casa, sabiamente se protegendo do inimigo invisível.

Pensando bem agora, buscando nos recônditos de minha memória algum momento sobre o qual eu devesse escrever algumas linhas, talvez eu esteja subestimando o meu olhar arguto e negligenciando algumas joias. Aguardem pelas próximas histórias.

 

Rio Vermelho, 04 de janeiro de 2022.

 

 

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