Nem bem se desbotava de minha memória a lembrança das semanas de arrastões desenfreados no Rio Vermelho, ocorreu um fato que reacendeu em mim o medo que é andar pelas ruas de Salvador, a qualquer hora do dia ou da noite.
Eu estava chegando cedo ao centro da cidade, numa hora em
que as lojas ainda estavam fechadas, mas não faltavam mais que quinze minutos
para que o comércio abrisse ao público. Ônibus em que eu ia virou no Politeama
e vi pelo rabo do olho, no lado de fora do veículo, uma pessoa que corria feito
uma bala. Aquilo me chamou a atenção e virei-me para o lado para observar melhor.
Era uma corrida desesperada, que estava longe de ser um mero exercício físico matinal,
coisa de atleta. Não demorei para tirar conclusões sobre que tanta pressa seria
aquela.
O coletivo parou e desci no primeiro ponto do Politeama. Mal
pus os pés na calçada, um vulto entrou pela porta em que eu saía; a porta dos
fundos é usada para sair e não para entrar no ônibus. Era um jovem que não tina
intenção alguma de pagar pela passagem, como fazem aqueles que entram pela
saída do ônibus. Virei-me, já na calçada, e ele também, como se pretendesse
sair do ônibus, embora a sua intenção fosse a de fazê-lo em outra parada. Ele
fez uma expressão aliviada, soltou um “ufa” e revirou os olhos enquanto enfiava
no cós da bermuda um grande aparelho celular que só agora eu percebia que tinha
na mão. A porta do ônibus de fechou e me dei conta do que estava acontecendo.
Não demorou muito e veio correndo em minha direção uma jovem
com a expressão de desespero estampada no rosto. Logo atrás dela corriam outros
populares, provavelmente solidários a ela, ou meros curiosos em busca de
assistir a uma confusão.
“Ele
entrou no ônibus”, gritei para a vítima, a jovem.
Ela
continuou correndo e seguiu o ônibus que parou a dois metros de onde partira,
por causa do semáforo que fechou o trânsito. Bateu seguidas vezes na porta de
saída do ônibus, que se abriu para que ela entrasse. Ao mesmo tempo que por uma
das janelas do lado oposto, o jovem ladrão de celular pulava em fuga numa cena
espetacular. Correu entre os carros e sumiu de nossas vistas. Dentro do ônibus
ouvi gritos de regozijo; para evitar a perseguição da moça obstinada, o delinquente
deixou para trás o celular.
Aquele
foi só mais um percalço da vida de um ladrão. Ele deu a volta no quarteirão o
voltou ao seu posto de tocaia, à espera da próxima vítima, fato que acontece um
minuto sim e outro também na insegura Salvador. Já se foi o tempo em que esta era
a terra da felicidade.
Rio Vermelho, 27 de julho de 2023.
2 comentários:
Parece que a solução dessa questão não passa apenas pela melhora da segurança pública, mas primordialmente pelo desenvolvimento de políticas educacionais direcionadas para as crianças e jovens que vivem nas periferias da nossa cidade.
Meu querido Cristiano. Falar de insegurança nas cidades brasileiras é "chover no molhado"...
Recordando a vida ...Minha Paula, sua colega, em abril próximo fará seis décadas. Você está
"por aí" . Eu , 82. Deus pode ser " bonzinho" o Tempo , não! Abraço
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