Este é aquele mesmo meu conhecido
pedinte que certa noite cruzou em meu caminho quatro vezes no Rio Vermelho e em
todas elas me pediu um dinheiro, um senhor já idoso e que me chama de tio
(Perdidos na noite, em 20 de dezembro de 2019). Ele inovou no hábito de pedir
ao ter a sua própria tabela. Não apenas pede por algum trocado perdido no
bolso, começa com um valor alto e vai reduzindo à medida que o abordado vai lhe
negando o óbolo, até chegar aos parcos centavos; isso faz dele um insistente (mas
ainda não recebe por Pix). Seu território de atuação não se restringe ao meu
bairro, onde, por suas características praianas, parece ser um local aprazível
ao trabalho de pedir e, por isso, a concorrência é grande aqui, já trombei com
ele em locais distantes, até dentro de shopping center!
Eu disse que pedir é um trabalho,
porque foi isso mesmo que ouvi alguém dizer claramente outro dia. Uma pedinte
ia dentro de um vagão de metrô, que, apesar de ser um local proibido às
práticas de pedir, vender e apregoar, nada impede que a pessoa faça isso até
ser expulsa pelos seguranças ‒ só Deus sabe de que modo. Enquanto ela contava uma já manjada
história triste de amolecer corações para angariar trocados, ela pedia para
abrirem espaço para poder passar entre os viajantes do vagão lotado. “Por favor,
deixa eu passar que eu estou trabalhando”, ela dizia, impaciente, enquanto ia
recolhendo dinheiro.
Talvez você não acredite, faça as
contas aí, pedir é mais profícuo que trabalhar. Em quinze minutos pedindo
dentro de um coletivo, ganha-se mais que um assalariado em uma hora de trabalho
de carteira assinada, livre de encargos e de um patrão biltre! Haja gente de
bom coração para sustentar tantos pedintes.
Voltando ao meu conhecido pedinte,
que já não me dirige a palavra, me ignora totalmente, pois nunca dou-lhe um
centavo, uma vez que faço uso deles também. Faça aí as contas novamente; cruzo
com ele num dia sim e no outro também, quanto que isso me custaria, levando em
consideração que sou abordado uma dúzia de vezes diariamente por outros colegas
dele de profissão? Deve ser por causa dessa miserável cara paxá que eu tenho.
Pois bem, ele é habitué da mesma sorveteria em que costumo vir todas as tardes
com o meu notebook para escrever textos como esse, um local refinado e agradável
para trabalhar. Vai de cliente em cliente com a mesma lenga lenga e, no final,
ganha mais que eu escrevendo, posso lhe assegurar.
Outro dia ele adentrou a sorveteria,
as funcionárias o viram e torceram o nariz. É que o ambiente é fechado por
causa do ar-refrigerado, e o odor que o senhor carrega consigo por falta de
banho diário desbanca o aroma água-de-colônia do local e agride o olfato. Desta
vez o seu alvo foi um homem alinhado, parecia um turista.
— O senhor me dá cinco reais?
— Eu não tenho – respondeu o turista,
visivelmente interessado em seu sorvete.
— Dois reais? – insistiu o pedinte.
— Também não tenho.
— Cinquenta centavos?
— Eu não ando com dinheiro, rapaz –
explicou o turista.
Já impaciente, o pedinte arriscou:
— Nem um sorvete?
Para minha surpresa, que assistia à
cena curioso, o turista respondeu:
— Já um sorvete eu posso dar um
jeito. Pede à moça do balcão, que eu pago no cartão.
— Tá fazendo calor – o pedinte se
abanou.
Naquele mesmo dia, horas depois, como
sempre fazia, ele retornou para uma nova rodada. Desta vez abordou uma moça,
que se lambuzava de sorvete. Como sempre, ele começou a pedir seguindo a sua
tabela de valores, e como a moça negou até qualquer tostão, ele arriscou
novamente.
— Nem um sorvete?
A moça arregalou os olhos (o sorvete
mais barato é de arregalar os olhos nessa sorveteria, razão pela qual raramente
me dou ao luxo).
— E nem um sorvete! Mas só faltava
essa – ela respondeu, surpresa.
O pedinte resmungou alguma coisa que
descrevia o seu desgosto e deu meia volta para ir embora. Aí é abusar da sorte,
disse a mim mesmo.
Rio Vermelho, 29 de agosto de 2023.
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