sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Casos de preguiça crônica.


A preguiça, como vocês sabem, é um estado físico e mental do ser humano que atinge pessoas de todos os sexos e idades, sejam elas moradoras de grandes ou pequenas cidades. Não é uma doença, portanto não existe vacina contra isto. Não há conhecimento que ela atinja animais, embora cães e gatos domésticos possam facilmente assimilá-la de seus mestres. Creio que, no fundo, a preguiça seja uma questão cultural. A preguiça já foi cantada em prosa e em versos por poetas populares nacionais. Já foi tema de músicas conhecidas. Mereceu dissertação em tese de doutorado. Ela é tida com orgulho como uma criação do brasileiro, embora ela exista em outras culturas, umas a valorizam mais que outras, e no caso da brasileira, ela tem peso de outro.

Meu amigo Zé aposentou-se mais cedo. Passava o dia em casa sem ter o que fazer. Ou melhor dizendo, resolvera por conta própria que não faria mais nada na vida. Encarou a sua situação de aposentado como uma coisa seríssima a ponto de não querer mais mover uma única palha. Ocasionalmente, quando ele acordava bem disposto e com vontade de fazer alguma coisa, ele ia ficar sentadinho e caladinho num canto até a vontade passar! Vez por outra, a patroa o mandava para a rua comprar tempero, tarefa que ele fazia com aquela má vontade. A coitada, na condição de dona de casa, não pôde se aposentar. Zé se deitava no sofá da sala depois do café da manhã que era ingerido sem pressa alguma quase como num ritual religioso, lia o jornal de cabo a rabo e, ao final, virava-se para o lado e tirava uma soneca até a hora do almoço. Era uma vida de sacrifícios, mas alguém tinha de fazê-los. À tarde, tomava coragem e saía para jogar xadrez na casa de um amigo – que não era a minha pessoa - quando este, também, não tinha coragem de ir até sua casa. À noite, via um pouco de TV e depois ia dormir cedo. Essa era a sua estafante rotina depois que recebera o relógio de ouro. Enquanto isso, a mulher dava o maior duro em casa, cozinhando, limpando e saindo para as compras. Aquele estado do marido aposentado já estava lhe dando nos nervos. O imprestável não era capaz de mover uma palha para ajudar em nada. Ela lhe pedia as coisas, mas ele gemia tanto de preguiça e demorava tanto em tomar coragem para fazê-las, que terminava ela mesma cumprindo a tarefa. Como bem já dizia meu pai, 'quem quer vai e quem não quer manda'. Um dia ela ficou farta daquilo e marcou para ele consulta médica para saber o que diacho havia de errado com o marido.

O Zé foi sozinho, a contra gosto, pois nunca se sentira tão bem na vida, ver o médico num dia de tarde. Depois de examinar muito e fazer alguns exames o doutor disse-lhe suas conclusões.

- Seu Zé, o que o senhor tem é muita preguiça – disse-lhe pesaroso.

Zé meditou por um instante aliviado e lhe perguntou em seguida:

- Sim, mas qual é o nome científico disso para que eu diga a minha esposa?

Este foi um caso em que a preguiça consome a alma do desocupado. Aos pouquinhos ele vai virando algum tipo de musgo de difícil remoção de redes, sofás ou poltronas muito confortáveis. Por uma questão de orgulho próprio e auto-estima, eles nunca ficam deitados em camas. Ficar na cama o dia todo é coisa para doentes!

Existem também os casos de preguiça que atinge o caráter da pessoa. O personagem tem uma preguiça mental, recusa-se a aprender novas coisas para não ter trabalho a mais. Nunca evolui profissionalmente ou como ser humano. É uma lástima e vergonha para a espécie. Está ocupando o lugar neste planeta de alguém que poderia ser útil. Temos um típico caso desses no Planalto.

Houve um tempo aqui em casa, que as empregadas domésticas eram trocadas mais que fraldas sujas de bebê recém nascido. Quando finalmente conseguíamos aprender o nome de uma, a criatura já era substituída por outra. Havia muito trabalho e pouco salário, mas pelo menos minha mãe nunca foi uma patroa exigente. Ela sempre soube que o serviço aqui era inglório devido à superpopulação da casa e, por isso, não exigia muito. Minha mãe sempre foi uma pessoa afável e meu pai um brincalhão com elas. Pelo fato de meu pai ser uma artista plástico de renome, uma celebridade, por assim dizer, outras celebridades apareciam aqui em casa vez por outra. Isto era uma satisfação para nós e uma alegria para as domésticas. Certa vez, ouvi de uma delas que acabara de servir cafezinho, ganhar autógrafo e tirar fotos ao lado das visitas Tarcísio Meiras e Glória Menezes:

- Aqui se ganha pouco, mas se diverte muito!

Esta mesma senhora tinha uns pensamentos estranhos. Minha mãe sempre teve o hábito de oferecer uma merenda para suas ajudantes no meio da manhã. Certa vez, ela lhe deu um pedaço de goiabada cascão. A moça aceitou agradecida. Quando minha mãe deu as costas, jogou tudo no lixo. Não demorou muito para que minha mãe descobrisse e lhe perguntasse indignada.

- Porque jogou o doce no lixo?

- Não gosto de doce.

- Se não gostava, então porque aceitou?

- Ah! Para a senhora não perder o hábito de me oferecer!

Mas as surpresas não paravam por ai. Certo dia, minha mãe chegou à cozinha com uma receita nova e quis ensiná-la a dona menina.

- Dona Chica, olha que receita fácil de fazer – ela mostrou o papel.

Dona Chica ficou muda, assuntando com os braços cruzados, olhando-o desconfiada.

- Vou te ensinar a fazer esta receita. Você vai ver como é fácil.

- Não me ensine não, dona Alice.

- Mas porque, menina?

- Isso só vai me dar mais trabalho...


Rio Vermelho, 10 de dezembro de 2008.


2 comentários:

Sarnelli disse...

Cristiano , estou vendo que você é especialista em tirar alguma coisa do nada ! Muito interessante o seu conto e com um final tão simples e verdadeiro que retrata muitas pessoas que conheci em outros tempos. É assim mesmo. E, por que, também, não dexar as coisas para amanhã ? Para que tanta pressa ? Gostei, quando é que teremos mais uma " carta do seu moinho ? "...Vá em frente.

Ana Martha Falzoni disse...

Sem dúvida, se lhe falta algo, criatividade certamente não é. Sempre pensei ser um pouco preguiçosa, mas esses dias fiquei aliviada após ler uma reportagem sobre procrastinação: ato de deixar as coisas para depois e fazer em cima do prazo, só para ter a sensação da adrenalina correndo nas veias... O especialista, entrevistado pelo colega jornalista, garantiu que aquilo nada tinha a ver com preguiça. Será?