domingo, 17 de outubro de 2010

Dos Meus Direitos de Encher o Saco.

Inventei que precisava de um roteador novo. Um mais potente, sabe; um que levasse um sinal mais forte da internet de meu escritório, no segundo pavimento da casa, até o meu quarto, que fica no térreo, e onde costumo escrever pelas manhãs bem cedo logo que levanto. Para quem não sabe, o roteador é como um aparelho de radio que, conectado ao modem, envia o sinal da internet para o notebook, dispensando o uso de fios ou cabos. E, para quem esqueceu para que serve um modem, se você pode me ler agora, é porque deve ter um ligando o seu computador à internet!

Depois de pesquisar por um bom roteador que não fosse muito caro e atendesse às minhas ambições, fui encontrá-lo numa loja do Shopping Paralela. A vendedora, econômica nas palavras, logo informou que em caso de troca, eu teria de ligar para o fabricante e pedir-lhe um numero de protocolo. Tudo agora envolve um numero de protocolo e não se consegue fazer nada sem um! Tava na cara que aquela moça nunca ouvira falar do Código de Defesa do Consumidor e, por isso, ignorava que eu podia voltar com a mercadoria no dia seguinte e pedir minha grana de volta. Mas mesmo assim, não dei ouvidos a ela. O que poderia dar errado, afinal? Comprei o bicho.

Um amigo, um fera nesses assuntos, veio aqui em casa para fazer a geringonça funcionar. Mexe daqui, mexe dali, troca de posição aculá e nada do aparelho se mostrar melhor do que aquele que eu já tinha e que era inferior em potencia em relação ao novo, ao contrario, este era uma carroça. Nem as orientações dadas pela assistência técnica do fabricante — sim, ligamos para a fábrica —melhoraram o desempenho da coisa. Não tinha jeito, aqui em casa ele não funcionou como esperado, apesar de não apresentar nenhum defeito de fabricação. Seu sinal era barrado pelas paredes que ia encontrando pelo caminho até chegar em meu quarto. É que, o maluco que construiu a nossa casa fez questão de fazer as paredes tão duras e grossas que nem um prego entra à marteladas, quem dirá uma coisa tão delicada como as ondas magnéticas de um roteador! Me senti frustrado, já imaginando a dor de cabeça que seria voltar à loja para devolver o aparelho.

Quem já leu algumas de minhas crônicas anteriores já tem conhecimento de que sou um brigão de carteirinha, não resisto a uma boa briga quando o que está jogo são os meus direitos de consumidor e de cidadão. Parto para cima do "agressor" com unhas e dentes, munido de minha razão e de minha lábia. Nunca desisto, a ideia de me deixar vencer é algo que me embrulha o estomago e me tira do sério. No dia seguinte, fui até a loja disposto a não sair de lá sem antes devolver a geringonça e ter o meu dinheiro de volta. Já até havia planejado investi-lo num bom almoço na churrascaria da moda. Eu precisava de algum tipo consolo para a minha frustração e um monte de carne vermelha e saladas, me parecia um consolo razoável. Um cardápio equilibrado, as saladas rebateriam o efeito da picanha com uma boa tira de gordura em minhas coronárias!

Entrei na loja e fui direto até a vendedora do dia anterior. O roteador não funcionou lá em casa, falei pra vendedora. Não quero outro em troca, disse firme. Não devolvemos dinheiro, ela ameaçou. Ah, é? Será? Chame aqui o seu gerente, vou apresentar a ele um negócio chamado de Código de Defesa do Consumidor. A moça foi lá dentro e voltou logo em seguida. O gerente veio logo atrás. Era uma morena bonita dos lábios grossos e sorridente. Em que posso ajudá-lo, perguntou solicita e simpática. Apresentei-lhe o problema com toda a dramaticidade exigida para a ocasião. Ela ouviu-me atentamente e, em seguida, tomou a palavra. O que se seguiu depois foi algo impensado que me deixou desconcertado. Eu fora até lá preparado para uma tradicional briga entre consumidor e vendedor e mas aquilo não estava no meu script. Com um sorriso sinistro, a mulherzinha sacou de uma gaveta do balcão um talão de formulário que o preencheu rapidamente. Vamos devolver o seu dinheiro neste instante, anunciou educadamente. Fiquei engasgado. Pera ai, não assim, tão fácil. O que será que aquela mulher diabólica estava tramando? Olha, não é assim que se faz. Primeiro agente briga e depois vocês jogam a toalha. Estas são as normas, vamos segui-las. Isto é uma falta de consideração com o consumidor. Vocês não podem tomar tal atitude assim a seco. Não vai ter nenhuma discussão? Ninguém ai vai duvidar de minha palavra? E se eu for um cara com más intenções, um terrorista? Eu não estava acreditando que eu estava sendo tratado daquela maneira, tão acostumado com todo tipo de falta de respeito do governo, da prefeitura, da empresa telefônica, do bar em frente à minha casa, da justiça divina, enfim. E logo aquela lojinha presunçosa vinha gozar com a minha cara me tratando com todo o respeito? Quem eles pensam que são? Um total desacordo às normas, um verdadeiro atentado à tudo que se faz neste país. Peguei o meu dinheiro com um sorriso amarelo e agradeci. Pensei em dar uma gorjeta à gerente ou convidá-la para comermos junto aquela picanha gordurosa, quem sabe ela não teve uma queda por mim e quis me seduzir mostrando que conhecia meus direitos de consumidor? Dei meia volta e fui embora indignado, nunca mais volto lá!

Rio Vermelho, 17 de outubro de 2010.

3 comentários:

Sarnelli disse...

Já estive por aqui. Pelo texto, reconheci o amigo. Nem precisava assinar! rsrsrsrsrr

Ana Martha Falzoni disse...

E você nem teve o direito de encher o saco? Ah, isso é injusto! Em seu lugar, eu ia procurar meus direitos.

Anne disse...

Cristiano, suas estórias são muito legais, gostosas de ler, não perco uma. Parabéns!