Quem nunca teve a experiência
de telefonar para aquele amigo que andava meio sumido e ouvi-lo dizer surpreso,
do outro lado da linha, que estava justamente pensando em você e já ia te
ligar? Verdade ou não, tais fenômenos de premonição são frequentes no Brasil, embora
soem como uma habilidade paranormal, para mim não passam de uma desculpa
esfarrapada para simplesmente dizer “esqueci de você”. No lugar de dizermos a
verdade, inventamos desculpas para tudo, para desmarcamos um compromisso
combinado que não queremos ir, “vou ter de ficar de babá dos meus sobrinhos
hoje e por isso não vou poder mais ir”; para o remetente de um e-mail a quem
não queremos responder, “não recebi coisa alguma”; pelas nossas falhas, “não
foi minha culpa”, enfim, damos desculpas para tudo com a cara mais limpa do
mundo!
Nós
brasileiros somos mestres em inventar desculpas porque temos dificuldade em
assumir os nossos erros. Criamos até entidades para pormos a culpa em nossas mancadas.
“O senhor desculpe o meu atraso, mas “a moça” só me avisou nesse instante que a
reunião era agora pela manhã.” Estas moças parecem que nunca fazem o serviço direito.
“O senhor não repare na bagunça, “o rapaz” da limpeza não veio hoje.”
Felizmente não são apenas “as moças” que são incompetentes, sobram para “os rapazes”
também! “Eu espero que vocês compreendam, não é culpa minha.” Não é
responsabilidade dele e nem de ninguém. Vivam com isto!
É que vivemos
numa cultura onde a franqueza é considerada uma indelicadeza e aí mentimos para
não ferirmos o sentimento alheio, uma nobre atitude que faz com que os mal-entendidos
vão se acumulando, pois não é raro uma desculpa ser inventada para encobrir
outra. Ou mentimos para evitarmos conflitos, porque o brasileiro é de natureza
afável e pouco afeito a confrontos pessoais. A coisa fica mais evidente quando
a dita ligação é uma cobrança daquela grana que foi emprestada ao amigo em
apuros financeiros que jurou devolvê-la na semana seguinte e lá já se passaram seis
meses! “Velho, ainda bem que você ligou, eu ia te ligar hoje mesmo pra devolver
aquela grana!” Alguns amigos são realmente uns caras de pau. Mas aí, na
sequência, ele diz, “mas minha mãe passou mal, velho, levei na emergência do
Aliança e me custou uma grana preta. Resultado, tive de usar a grana que ia te
devolver”. Intrigado com a súbita reencarnação da mãe do amigo o outro indaga:
“Mas tua mãe não é falecida?” Quem tem o hábito de mentir, tem uma rapidez de raciocínio
extraordinária. “Isso, velho, você não está me entendendo, eu estou falando de
minha mãezinha de criação, a que cuidou de mim de verdade.” E quando não se
quer perder uma amizade por causa do vil metal, engole-se tudo quanto é tipo de
desculpa. Esta mãe de criação já tinha, inclusive, morrido uma outra vez, para
livrá-lo do assédio de uma moça insistente. Por que simplesmente não ter dito à
dita cuja que ele não estava interessado nela?
Inventar
uma boa desculpa dá mais trabalho que dizer a verdade e, também, de ter que
enfrentar as consequências. Muitas vezes tais desculpas, embora aparentemente
inocentes, podem trazer sérios transtornos profissionais e até incidentes diplomáticos.
Acostumado a usar deste expediente aqui no Brasil sem sofrer nenhuma consequência,
um diplomata brasileiro servindo em nossa embaixada em Londres, certa vez,
recebeu um convite pelo correio para assistir uma palestra que resolveu não
comparecer porque considerava uma chatice. Dias depois, ao se encontrar
casualmente com o funcionário do governo inglês responsável pela organização do
evento, desculpou-se por não ter ido, pois não recebera o convite. Intrigado com
o episódio, o cavalheiro inglês fez uma queixa formal aos Correios por este não
ter entregado o convite ao diplomata brasileiro, ao que ele foi informado que o
convite fora entregue sim, inclusive havia a sua assinatura no comprovante. A consequência
pela leviandade foi que o nosso diplomata foi convidado a se retirar da Inglaterra,
uma vez que ele tinha posto em dúvida a eficiência dos Correios de Sua Majestade!
Meu amigo
J.R. que era mestre em inventar desculpas e se gabar de sua proezas, nos fazia
se sentir pequenos às vezes com suas bazófias. Os seus feitos eram sempre os
melhores e as suas aquisições eram também as melhores e mais caras. Contudo, um
dia casou-se com uma bela e jovem moça de educação tradicional que só se
entregaria a ele depois de casados, ela condicionou. Apaixonado por ela e desejando-a
fervorosamente, ele se casou com ela no civil e religioso, comemorando o enlace
com uma festa de fazer inveja. Na intimidade da alcova na noite de núpcias, no
entanto, ele terminou desapontando a jovem esposa e deu a ela foi a maior
desculpa!
Rio
Vermelho, 24 de abril de 2012.
2 comentários:
Realmnte, Cristiano, não vale a pena arranjar desculpas , uma vez que dá muito menos trabalho dizer a verdade... Pelo menos,assim,se em futuro próximo ou longíco, acontecer de o assunto ser abordado , não poderá haver contradições, o que criará contrangimento para uma das partes. Gostei do final da sua história..Mas, aqui para nós e que ninguém nos ouça, me explica o que significa " onzima ou mesmo dozima ?...Isso é português ?
Gostei! Dar aquela mentirinha é um ingrediente para a doçura bahiana, q algumas vezes chega atingir níveis de crueldade. Desvendar isso e achar a verdade verdadeira atrás das desculpas e vamomarcars leva, às vezes, uma eternidade...
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