Falava à vontade com o
aparelhinho colado ao ouvido como se estivesse na cozinha de casa e como se o
mundo ao seu redor não existisse. A voz era estridente e perfeitamente clara, de
modo que os passageiros do ônibus participavam da conversa, mesmo sem desejar
aquela estranha e inesperada intimidade.
— Mas por que você acha que eu sou uma vagabunda? Que foi
que eu fiz pra você ter esta ideia a meu respeito? – quis saber a moça sentada
ao lado da janela.
Se ao menos ela tivesse a delicadeza de pôr o aparelho no
“viva-voz”, os ouvintes daquela inverossímil conversa saberiam o que dizia a
outra parte, embora muitos dos que estavam ali espremidos naquele ônibus já
tivessem suas próprias opiniões a respeito. É isto, desde que os telefones
celulares chegaram ao mundo, as conversas particulares viraram coisa pública, e
as pessoas passaram a falar na frente de estranhos coisas que só diriam ao
padre no confessionário.
— Escute, eu não sabia que você era casado, juro... Mas veja
como você é um homem bom e sincero me contando isto justamente agora, é tão
difícil encontrar homens que falam a verdade... Poxa, Ubaldino, você merece que eu te dê uma
chance...
Para não faltar com o caro leitor, cabe um esclarecimento, a
moça ao telefone está oferecendo os seus favores ao homem do outro lado da
linha, mas este não está nem um pouco interessado e, para se livrar dela,
mentiu dizendo que era um homem casado e fiel.
— Não, menino, eu não sou esta vagabunda no sentido que você
está dizendo, mas eu adoraria ser a sua puta! .... olha, eu me garanto, viu, ninguém
nunca nem reclamou... vou te deixar um bagaço, meu filho!
A velha sentada logo à sua frente se benzeu. “Que
devassidão!” O cavalheiro de pé trajando um paletó preto e segurando uma maleta
007 lançou-lhe um olhar lascivo. A dona de casa torceu o nariz e balançou a
cabeça. “Mas que sujeitinha...” Alguns deram um sorriso maldoso, outros um
olhar de desaprovação. Aquela conversa já ia longe demais, mas ninguém ousava
interrompê-la, afinal, o local era público.
É interessante como o advento do celular fez com que pessoas
perdessem a única nesga de pudor que lhes restassem, ao expor a estranhos
pormenores de suas vidas privadas que em outros tempos seriam poupados de
ouvidos alheios. Se hoje em dia casais e famílias problemáticas vão a programas
de TV para lavar a roupa suja nos lares das famílias brasileiras, as conversas
telefônicas em público, então, são como reality
shows ao vivo que despertaram o lado voyeur
que existe nos recônditos de cada um de nós. É possível se ouvir de tudo na
rua, desde casais brigando a homens de negócio fechando contratos vultosos com clientes
no outro lado do mundo à mesa de cafés. Certa vez, ouvi com a curiosidade que me
é própria, a conversa de um advogado instruindo a seu cliente como mentir para
o juiz para que ele se livrasse das acusações que lhe eram imputadas. Certamente
o celular levou a palavra “pudor” ao desuso e, embora este seja, na maior parte
das situações, uma mão na roda para os seus usuários, ele é utilizado também em
situações bem pouco republicanas.
Um marido estava deitado pelado sobre a cama redonda de um luxuoso
motel, acompanhado de uma linda jovem que certamente não era a sua esposa, e ao
perceber que o entusiasmo da situação o fizera perder a hora, teve um
sobressalto e ligou de seu aparelho celular para a esposa, que o aguardava ansiosa
em casa para o jantar.
— Benzinho, eu estou aqui num puta congestionamento na
Paralela, vou chegar mais tarde... – mentiu confiante.
— É mesmo? – respondeu a mulher desconfiada. – Então, buzine
aí o carro que eu quero ouvir!
Rio Vermelho, 24 de
junho de 2012.