sexta-feira, 1 de junho de 2012

Por uma questão de humanidade.


Desejava a vizinha ardentemente. Sonhava com a mesma acordado a ponto de dedicar-lhe memoráveis punhetas. Mas ele não tinha esperanças, achava-se velho demais, além do mais, que mulher jovem iria querer ir para a cama com um homem que tinha quase a idade de seu avô? Talvez só por dinheiro, mas ele não tinha tanto assim sobrando para aquele tipo de aventura, o jeito era economizar.
Astolfo era um sujeito de porte grande, proprietário de uma barriga saliente cultivada com a mistura de cerveja com petiscos; possuía, também, um bigode comprido e branco como o marfim e que lhe caia pelos cantos da boca fazendo-o parecer um velho leão marinho. Para completar a descrição, puxava da perna esquerda por causa de um diabo de artrose que não lhe deixava em paz e que tinha dias que lhe doía de fazer perder o sono e de tirar o apetite, mas não tomava remédio algum, tinha horror. E o remédio para matar aquele tipo de dor lhe tirava o tesão, apesar de este não lhe ser de muita serventia nos últimos tempos, mas tinha esperança que Jandira, a sua memorável jovem vizinha, aceitasse a oferta que lhe faria quando a oportunidade chegasse.
         Jandira era uma jovem e bonita morena de pele da cor do tamarindo maduro, possuidora de quadris largos e lábios carnudos e gordurosos. Astolfo a conhecia só de cumprimentar desde os tempos de moleca, mas nunca lhe deu a devida atenção, tinha o corpo miúdo de criança. Mas quando ela se tornou moça e o corpo floresceu numa mulher adulta e admirável, ele passou a cobiçá-la com olhos de lobo velho faminto. Da janela de seu quarto no segundo andar de um velho sobrado no Rio Vermelho, ele podia contemplar Jandira lavando a roupa no tanque no quintal de sua casa que era colada à sua. Ela ficava de costas para ele curvada sobre o tanque, metida num minúsculo short que sumia pelo rego das carnudas nádegas, isto quando não vestia uma apertada saia curtíssima que lhe acentuava a perfeição dos quadris e das pernas. Tinha vezes que ela esfregava as roupas agachada sobre uma bacia de frente para a janela do velho, aí sim o espetáculo era uma belezura. Astolfo podia ver pelo generoso decote de sua blusa os fartos peitos sacudindo de um lado para o outro como dois melões maduros ao fazer o esforço com os braços, e se ela estava de saia era uma loucura, ele podia jurar que via a ponta da calçola guardando-lhe a preciosa joia.
         Nos fins de tarde, Astolfo não perdia o horário de ir até a padaria na intenção de encontrar casualmente com Jandira que ia comprar o pão para o café da noite. Ele fazia questão de cumprimentá-la, na esperança de que um dia ela lhe desse ousadia e, por isso, não passava sem dizer um galanteio. “Boa tarde! O amarelo lhe cai muito bem.” Dizia elogiando-lhe o vestido. “Tá de corte novo de cabelo? Ficou parecendo uma princesa!” Que mulher não gosta de um elogio, mesmo vindo de um velho barrigudo e bigodudo? Um dia ele veio do mercado do peixe da Praia de Santana, trazia um pequeno balde quase transbordando de peixe agulha; cruzou com Jandira que olhou com curiosidade, Astolfo se adiantou. “Tome aqui uma dúzia para você fazer um ensopado pra janta.” Colocou num saco ali mesmo no meio da rua. “Eu gosto dele é frito!” Exclamou a moça agradecendo-lhe, numa das raras vezes que lhe dirigia a palavra.
         Jandira já tinha notado os olhares maledicentes daquele velho, mas ela não se incomodava, pois sabia que ela era mesmo gostosona, que ver não arranca o pedaço, fazia até bem à sua autoestima. O dono da mercearia ao lado da padaria só faltava uivar quando ela passava de minissaia. O vigia da casa lotérica e os outros vagabundos que lhe faziam companhia sentados na calçada, também a olhavam com olhos de peixe morto, mas ninguém ousava dizer-lhe gracinhas por uma questão de respeito, já que ela era uma moradora das vizinhanças e o seu pai era um homem respeitado. Mas Jandira não era boba, sabia que o velho Astolfo a espionava lá de cima de sua janela quando ela lavava a roupa no tanque, por isso lhe fazia uma caridade, ia vestida com um shortinho apertado e às vezes até uma saia bem justa pra testar se o coração dele aguentava ao ver a ponta de sua calcinha quando se acocorava de frente para a bacia.
         Certo dia, já tendo economizado bastante dinheiro, Astolfo muniu-se de coragem. Tomou um belo banho, arrumou-se e, no final da tarde, foi até a padaria encontrar casualmente Jandira que como sempre, foi comprar o pão. Na saída da padaria, chamou-a num canto: “Menina, cheque aqui.” Ela se aproximou curiosa e ele, à queima roupa, disse com todo o atrevimento mostrando-lhe um maço de dinheiro graúdo: “Olhe, isso aqui é todo seu, se você me der uma chupada.” Jandira tomou um susto e lhe lançou um olhar indignado. Controlou o tom da voz nervosa para evitar fazer uma cena em público. “Mas o senhor está me ofendendo, viu? Quem o senhor pensa que eu sou? Não sou dessas que faz estas coisas por dinheiro. O Senhor está enganado comigo. Não vou lhe cobrar um só tostão, que por uma questão de humanidade, não se nega um copo de agua ou um boquete a quem precisa!”

Rio Vermelho, 14 de maio de 2012.

2 comentários:

Anônimo disse...

Cristiano, como sempre muito bom, desta vez um pouco do Jorge.

Um abraço, Paulo.

Anônimo disse...

Caro Cristiano,
Adorei sua última postagem, tu desta vez norteou seu conto para o humor sensual que é minha leitura preferida.
Sabe como né, o sujeito passa dos sessenta (sou de 51)aí quanto mais devasso, impurio, lascivo, libertino, libidinoso, mais interessante a leitura fica - e também o jeito de viver -rrsssss.
Sei que tu escreves para pessoas de todo os tipos de gosto e deves atender a todos claro assim é o jornalismo, mas quando puderes, repita mais alguns assim bem apimentados como esse.
Eu já te falei em outra oportunidade né, que gosto muito de ler o blog do colunista do jornal Zero Hora (David Coimbra) e lendo agora o "por uma questão de humanidade" me fez lembrar bastante dele.
Parabéns.
Um abraço
Ademar Garcia