domingo, 24 de junho de 2012

Sem pudor.


Falava à vontade com o aparelhinho colado ao ouvido como se estivesse na cozinha de casa e como se o mundo ao seu redor não existisse. A voz era estridente e perfeitamente clara, de modo que os passageiros do ônibus participavam da conversa, mesmo sem desejar aquela estranha e inesperada intimidade.
         — Mas por que você acha que eu sou uma vagabunda? Que foi que eu fiz pra você ter esta ideia a meu respeito? – quis saber a moça sentada ao lado da janela.
         Se ao menos ela tivesse a delicadeza de pôr o aparelho no “viva-voz”, os ouvintes daquela inverossímil conversa saberiam o que dizia a outra parte, embora muitos dos que estavam ali espremidos naquele ônibus já tivessem suas próprias opiniões a respeito. É isto, desde que os telefones celulares chegaram ao mundo, as conversas particulares viraram coisa pública, e as pessoas passaram a falar na frente de estranhos coisas que só diriam ao padre no confessionário.
         — Escute, eu não sabia que você era casado, juro... Mas veja como você é um homem bom e sincero me contando isto justamente agora, é tão difícil encontrar homens que falam a verdade...  Poxa, Ubaldino, você merece que eu te dê uma chance...
         Para não faltar com o caro leitor, cabe um esclarecimento, a moça ao telefone está oferecendo os seus favores ao homem do outro lado da linha, mas este não está nem um pouco interessado e, para se livrar dela, mentiu dizendo que era um homem casado e fiel.
         — Não, menino, eu não sou esta vagabunda no sentido que você está dizendo, mas eu adoraria ser a sua puta! .... olha, eu me garanto, viu, ninguém nunca nem reclamou... vou te deixar um bagaço, meu filho!
         A velha sentada logo à sua frente se benzeu. “Que devassidão!” O cavalheiro de pé trajando um paletó preto e segurando uma maleta 007 lançou-lhe um olhar lascivo. A dona de casa torceu o nariz e balançou a cabeça. “Mas que sujeitinha...” Alguns deram um sorriso maldoso, outros um olhar de desaprovação. Aquela conversa já ia longe demais, mas ninguém ousava interrompê-la, afinal, o local era público.
         É interessante como o advento do celular fez com que pessoas perdessem a única nesga de pudor que lhes restassem, ao expor a estranhos pormenores de suas vidas privadas que em outros tempos seriam poupados de ouvidos alheios. Se hoje em dia casais e famílias problemáticas vão a programas de TV para lavar a roupa suja nos lares das famílias brasileiras, as conversas telefônicas em público, então, são como reality shows ao vivo que despertaram o lado voyeur que existe nos recônditos de cada um de nós. É possível se ouvir de tudo na rua, desde casais brigando a homens de negócio fechando contratos vultosos com clientes no outro lado do mundo à mesa de cafés. Certa vez, ouvi com a curiosidade que me é própria, a conversa de um advogado instruindo a seu cliente como mentir para o juiz para que ele se livrasse das acusações que lhe eram imputadas. Certamente o celular levou a palavra “pudor” ao desuso e, embora este seja, na maior parte das situações, uma mão na roda para os seus usuários, ele é utilizado também em situações bem pouco republicanas.
         Um marido estava deitado pelado sobre a cama redonda de um luxuoso motel, acompanhado de uma linda jovem que certamente não era a sua esposa, e ao perceber que o entusiasmo da situação o fizera perder a hora, teve um sobressalto e ligou de seu aparelho celular para a esposa, que o aguardava ansiosa em casa para o jantar.
         — Benzinho, eu estou aqui num puta congestionamento na Paralela, vou chegar mais tarde... – mentiu confiante.
         — É mesmo? – respondeu a mulher desconfiada. – Então, buzine aí o carro que eu quero ouvir!
Rio Vermelho, 24 de junho de 2012.

4 comentários:

Sarnelli disse...

Nesta postagem você focalizou um assunto que incomoda a muita gente, a mim , principalmente. Realmente, tem uns caras chatos e mal educados que usam o celular dentro de um coletivo como se estivessem no fundo do seu quintal... A estes, se juntam outros que adoram ouvir músicas de mau gosto com todo o volume que o aparelhinho permite e que não admitem reclamações e por isso, lhes dizem, quando você reclama: se estiver incomdado, desça ! . Há lei muncipal para isso! Mas se fosse só isso...ainda tem os vendedores ambulantes que vestem coletes , que , agora, incomodam dentro do buzu anunciando as suas mrcadorias , muitos com vozes estridentes de ferir os tímpanos a gente...

Ana Martha Falzoni disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ana Martha Falzoni disse...

Boa, Cris. Também me incomodo demais com essas pessoas que fazem do celular uma espécie de divã. Primeiro porque me roubam a clientela, depois porque quando entro no transporte, geralmente estou "pregada" e não quero ouvir o papo (geralmente furado) de ninguém. Você traduz o cotidiano de maneira pertinente e divertida.

Anônimo disse...

Oi Cris acabei de ler sua cronica do celular me acabei de rir.
Sandra Gordilho