quarta-feira, 11 de julho de 2012

A Virtuosa.


Era um poço de virtudes, uma verdadeira cristã. Sua vida resumia-se na rotina diária de casa para o trabalho e do trabalho para casa e, aos domingos, ia ao culto da igreja onde, também, ensinava a bíblia aos jovens. Não se casara ainda e nem se sabia de nenhum pretendente, mas se fosse para ter namorado, ela já avisava com convicção, era para ser namoro sério de porta, noivar e casar logo, tudo nos conformes.
         Não recusou convite da colega de trabalho para a festa de aniversário em sua residência, apesar de ela não ser irmã da igreja e, portanto, sabia que haveria na comemoração festiva coisas que a sua religião condenava como bebida alcoólica e dança. Fazer o quê, o importante era que ela tinha a sua fé e sabia muito bem distinguir o certo do errado e sabia resistir às tentações do capeta.
         Ao chegar à festa, foi recebida com satisfação pela dona da casa e, em seguida, foi se acomodar discretamente num sofá ao lado de um cavalheiro que não deixou de perceber as suas belas formas mantidas escondidas debaixo do vestido puritano que fechava rente logo abaixo do pescoço e que lhe caia além dos joelhos, aliás, como toda moça de respeito deveria se trajar. O rapaz sentiu-se provocado pelo pudor da moça ao seu lado e passou a desejá-la de forma pouco republicana. Para puxar conversa e demonstrar ser sociável, ele deu uma mancada ao oferecer-lhe uma cerveja bem geladinha.
         — Deus me livre! Eu não ponho álcool na minha boca. Por motivos religiosos, você me entende?
         Certamente, o rapaz não entendia nada de religião, pois naquela noite sua maior preocupação era colocar a moça para se ajoelhar e rezar segundo o seu catecismo! Depois de aguardar mais algum tempo que ele julgou apropriado, deu uma segunda investida.
         — Não, obrigada. Eu não fumo! Por motivos religiosos, você me entende?
         O rapaz ficou desconcertado com a sua total falta de tato em lhe dar com aquele tipo de mulher, mas mesmo assim tentou uma terceira vez, e tentaria outras até que alcançasse o seu intento.
         — Não, obrigada, querido. Eu não danço. Por motivos religiosos.
         Mas apesar de todas as suas ofertas terem sido recusadas educadamente, o rapaz não desanimava, não estava disposto a desistir, ao contrário, aquelas negativas da moça causavam-lhe efeito inverso, de modo que mais interessado ele ficava por ela, que aquilo já virara uma questão de honra e tentaria arrancar dela nem que fosse apenas um inocente beijinho. Mas só Deus sabe como ambos acabaram se entendendo e o que foi que ele disse ou fez para conquistar o coração da virtuosa moça, de modo que ao final daquela noite ela não apenas se ajoelhou como também rezou fogosamente. O rapaz, pego de surpresa, deu o maior duro para satisfazer os caprichos e vontades daquela moça tão recatada. Num intervalo que ele lhe pediu para descansar e recarregar as baterias, ele não resistiu e falou assim pra ela:
         — Eu não compreendo você, não bebe, não fuma e também não dança por motivos religiosos, mas, no entanto, estamos aqui na cama fazendo ousadia a noite toda...
         Ela deu um sorriso amarelo e explicou:
         — É como eu sempre digo aos meus alunos da escola bíblica de domingo: é possível se divertir muito na vida sem precisar beber, fumar ou dançar!

Salvador, 11 de julho de 2012.

2 comentários:

Fátima Santiago disse...

Gostei, bem humorado o final. Estilo rodrigueano.
Abraços

Anônimo disse...

Suas crônicas têm sido bem-vindas.
Parabéns
Ana Geiger