Papai era um contador de estórias.
Seu jeito de contá-las cativava a audiência, quase sempre composta dos mesmos amigos
e familiares que não se enjoavam de ouvi-lo contar as que se repetiam vez por
outra com a mesma atenção como se as escutassem pela primeira vez. Não herdei dele
o talento para o desenho e muito menos para pintura, mas gosto de contar estórias
e, para repeti-las, tomo o cuidado de encontrar novos ouvintes.
Nesta época do ano em que se celebra a Semana Santa, ele costumava
contar como certa vez viu a encenação da Paixão de Cristo num picadeiro de circo.
Esta estória era uma das minhas preferidas e a que guardo na memória como uma divertida
lembrança do meu pai.
Foi verdade,
em sua infância na esquecida Cajapió, em algum lugar perdido da baixada
maranhense, vez por outra, chegava um circo mambembe que trazia em sua lona
surrada e remendada a poeira dos cantos por onde andou, mas não menos
remendados eram os trajes de seus pobres e sonhadores artistas que exibiam o
seu talento em troca de míseros trocados e, às vezes, o lugar era tão miserável
que até comida servia como moeda de troca.
O circo chegava provocando um alvoroço entre crianças e
adultos que era alojado num terreno baldio emprestado pela prefeitura. Fazendo barulho
com cornetas, baterias e apitos, seus artistas saiam em campanha pelas ruas do
pequeno povoado anunciando o grande espetáculo para o respeitável público. Em
comemoração à Semana Santa, encenariam, naquela noite, a famosa Paixão de
Cristo.
Com o elenco reduzido, como era de se esperar, o dono do
circo, um homem baixo e feliz possuidor de uma barriga grande e dura, costumava
contratar talentos locais para pequenos papéis os quais era dispensado o
ensaio, que se restringia em resumidas instruções sobre o que fazer e em que momento.
O bêbado da cidade foi contratado para fazer o Lázaro, um
papel muito fácil e para qual nenhum talento era necessário. Tudo o que ele
tinha de fazer era deitar-se num determinado lugar ao lado do picadeiro e
esperar pelo momento de sua milagrosa ressuscitação. Se ele fizesse conforme o
combinado, receberia alguns níqueis suficientes para pagar por algumas doses de
seu etílico vicio.
Antes de começar o espetáculo, o improvisado ator chegou ao
picadeiro no mesmo estado de embriaguez pelo qual era conhecido, deitou-se no
lugar estabelecido e pegou no sono profundo.
O espetáculo começou e transcorria na normalidade. O público
estava emocionado com a saga de Jesus Cristo de Nazaré, lágrimas e suspiros
sobravam. No momento em que Jesus faz o milagre da ressureição de Lázaro
evocando para que este voltasse ao mundo dos vivos, ele diz a famosa frase:
Levanta-te Lázaro! Esta era a deixa para que o nosso Lázaro embriagado se levantasse
e caminhasse, mas ele estava em outro mundo para ouvir coisa alguma. Levanta-te
Lázaro! Insistiu Jesus, mas o Lázaro não se movia, dormia bêbado feito um
gambá. Levanta-te lazaro! Gritou Jesus, desta vez impaciente. A plateia inquietou-se
e passou a zombar. O dono do circo enfureceu-se, quis ser mais poderoso que Jesus
Cristo, tomou o microfone e ordenou ameaçador pelo alto-falante: Alô, alô Lázaro!
Alô, alô Lázaro! Levanta-te ou estás despedido!
Foi
breve a sua carreira de ator.
Rio Vermelho, 20 de
abril de 2014.
5 comentários:
Oi, Cristiano
Sempre leio seus contos e gosto muito do jeito como você escreve. Particularmente gostei desta Paixão de Cristo contada pelo papai. Que bom seria que todas as pessoas pudessem escrever suas memórias baseada nas estórias e histórias contadas pelos pais. Parece que nos dias atuais os pais não tem mais tempo para contar para seus filhos belíssimas estórias. É uma pena que os aparelhos eletrônicos tomaram o lugar dos pais, e por esse motivo Lázaro não pode levantar e os pais não reconhecem a importância da comunicação descontraída cheia de imaginação e sentimento duradouros por toda vida.
Cristiano, adorei. Feliz Páscoa! Abc
Paulo Tude
Gosto de ler as suas crônicas e historinhas. A maneira de você descrever o circo mambembe da história do seu pai,me fez passar na mente o filminho que vi muitas vezes na minha infância quando da chegada de um circo na cidade de Mata de São João . Era um alvoroço e quando a palhaçada saía às ruas para anunciar os espetáculos seguida da garotada da cidade que ajudava na divulgação com o barulho que somente eles sabiam provocar. . O espetáculo começava como sempre, com a saudação ; boa noite, respeitável público...
Gostei, já disse !
Estava lendo aqui. Muito bacana :D
Daniel Akino
Cristiano
Muito legal seu texto, parabéns! Desejo sucesso para você!
Julio Assis
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