Um querido amigo, cuja data de
nascimento remonta os tempos em que a maioria das coisas ainda não tinha nome e
para referir-se a elas era preciso apontá-las com o dedo, me conta como era
Salvador de antigamente. No entanto, ele não faz isto de uma só vez como numa
conversa de bar, ao contrário, à medida que vai remexendo o seu baú de
recordações, ele tira de dentro uma ou outra história de sua infância ou
juventude e me encanta com o seu relato.
No lugar onde moro, por exemplo, antes havia um hipódromo e
no local onde hoje é uma pracinha, uma igreja tinha sido planejada para ser erguida.
Sua casa foi uma das primeiras a serem construídas e permanece do mesmo jeito
até hoje e há sempre um cafezinho feito na hora para os visitantes, servido pela
simpática dona da casa.
Mas o que me empolga, é ouvi-lo contar que um bêbado podia passar
a noite no meio do caminho no trajeto de volta para casa e quando acordasse, a
sua carteira de dinheiro estaria ainda no mesmo bolso com todas as notas de dinheiro
que havia dentro! Sim, claro que havia roubos, mas eram roubos de galinhas ou
alguém tinha a sua carteira batida no centro da cidade. Ninguém jamais passou
pelo estresse de ser rendido com a ponta de uma arma de fogo ou ter sua vida
tirada por causa de um par de tênis ou uns míseros trocados, isso não. Meu
amigo fala de um tempo em que a vida humana valia alguma coisa.
A palavra congestionamento ainda não tinha sido inventada e
os poucos carros que havia em Salvador, todo mundo sabia a quem pertencia. O
bonde era o transporte usado para ir para o trabalho e quase todos daquela
viagem se conheciam a ponto de o condutor às vezes se demorava numa parada para
esperar por algum passageiro que, por ventura, estivesse atrasado.
Tirando o fato de um cara não poder ir para a cama com uma
moça de família sem antes desposá-la, ou de sair com ela sem a presença de um
acompanhante para proteger a sua reputação, ter vivido naquela época, me parece
que é o sonho de muitos que vivem na caótica Salvador dos dias de hoje. Eu ouço
as histórias que o meu amigo me conta sobre como era a vida naquele tempo e
chego a sentir nostalgia de um tempo que jamais conheci.
Rio Vermelho, 13 de
abril de 2014.
Um comentário:
Cristiano amigo, parece mentira, mas ontem conversando com um colega, recordavamos da época de farras e as andanças pelos becos e ruas de Salvador, sem nenhuma preocupação de roubo ou assalto. Hoje parece mentira e não sou tão velho assim.
Um abraço, Paulo.
Postar um comentário