segunda-feira, 9 de junho de 2014

Num Mato Sem Cachorro

Um amigo ligou desesperado pedindo um help. A mulher o pôs para fora de casa, descobriu finalmente que ele não era nenhum santo. A vida tem disso, tem cego que um dia acorda vendo tudo. Detalhes à parte, pois não quero denigrir a imagem do meu amigo – mas que canalha ele! Superado a fase de negação e caindo na real, uma semana depois do sinistro, ele me procurou. Foi morar na sua garçoniere, cuja existência a futura ex-esposa acabara de tomar conhecimento. Sim, meu amigo tem lá os seus defeitos, então eu tenho um amigo defeituoso, fazer o quê, né?
Meu caro amigo é um daqueles que sofrem da deficiência-de-não-saber-cuidar-de-si-mesmos. É incapaz de lavar a própria roupa íntima, por exemplo, e depende de uma mulher que lhe faça as vezes de mãe super-protetora. Veja mamãe o homem adulto que você educou para se virar no mundo, ele trai a esposa que é uma mãezona que nem a senhora.
Então, ele precisava de minha assessoria para uma tarefa doméstica simples como ir ao mercado. Tinha de fazer as compras da semana e não fazia ideia por onde começar. E lá fui socorrer um amigo em apuros – e que tem lá os seus defeitos. Mas pra que fazer compras, se ele nem sabia fazer um nescafé?
A sociedade dividiu as tarefas domésticas entre homens e mulheres de tal modo que um foi feito refém do outro. Trazer dinheiro graúdo para casa, escolher o automóvel da família, o computador, a manutenção da casa é coisa de homem ainda em muitos lares. Mas a limpeza da casa, a decoração, lidar com a cozinheira e a faxineira, fazer as compras da feira e de mercado, cuidar das crianças é coisa de mulher. É uma visão machista, mas é assim que ainda acontece, até em famílias que se consideram bem moderninhas. Mesmo que a mulher trabalhe oito horas por dia e até ganhe mais que o marido, ao final do dia, o tanque e a cozinha a esperam placidamente, além de outras obrigações domésticas que lhe cabem. É raro um homem aliviar a barra da esposa, é mais conveniente se fingir de cego. É isso, tem famílias que tanto o marido como a esposa são dois cegos.
Então, meu caro amigo estava num mato sem cachorro.  Conhecendo-o bem, fiquei me perguntando quanto tempo mais ele duraria naquela situação. Ele tinha condições de contratar uma empregada doméstica, mas é isto? Um homem adulto e saudável não sabe cuidar de si mesmo? Precisa de alguém que faça por ele todos aqueles trabalhos domésticos que qualquer adulto independente deveria saber, bem ou mal, realizar?
Quando o bichou pegou de verdade, meu defeituoso amigo se viu num mato sem cachorro. Colocou então a sua melhor máscara de arrependido e foi bater na porta de casa. Fez juras de amor à mulher traída e pediu perdão pelos seus defeitos e pecados. Não aconteceria nunca mais, jurou de pés juntos – pelo menos até a próxima vez. O bom cristão, perdoa, sabe? Até de santa chamou a esposa, por aturá-lo assim com os seus defeitos. Sim, que este desvio de caráter nós homens chamamos de defeito, assim como roubar dinheiro público é apenas um malfeito.
Ela, por seu turno, se fez de difícil, como era de se esperar em situações como aquela, mas terminou abrindo a porta para ele passar, mas com uma exigência: queria ser levada toda sexta-feira à noite naquele matadouro e receber o mesmo tratamento que recebiam as que ali caiam!

Rio de Vermelho, 09 de junho de 2014. 

7 comentários:

Anônimo disse...

Cris
Muito,muito bom,pura verdade....
Abraço
Sandra

Sarnelli disse...

Muito bom , Cristiano. Você está se tornando muito produtivo e criativo. Melhor de tudo, os seus escritos conseguem prender a atenção do leitor até o fim - Não conseguir parar ants do final...

Anônimo disse...

Hahaha muito bom!

Anônimo disse...

Escreve bem demais Cristiano....
Eleuba Oliveira

Anônimo disse...

Adorei Cris!
HenriqueFenocchio@gmail.com

Cristiano Teixeira disse...

Também li e gostei!
Cristiano

Anônimo disse...

Filho de um grande artista,que tive o prazer de conhecer,e que jantou em minha casa em companhia de outro cearense famoso ,Aldemir Martins.Folgo muito em tomar contato de seus escritos,por intermédio do José L Mesquita .Gostei muito de seu trabalho,parabéns.
Lauro Vinhas Lopes